sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sem beijos ousados, por favor

DE BAR EM BAR - Adega flor de Coimbra


Quarta-feira à tarde. Chove. Há, nesse momento, só uma pessoa almoçando, um negão rasta com pinta de músico. Ele bate o maior papo com o garçom. Termina de traçar seu peito de frango e de beber uma taça do vinho Pérola Gaúcho, engarrafado pela própria casa, e pede a conta. Mas, antes de sair, ao ouvirmos no rádio uma notícia relacionada ao assassinato do coordenador do Afroreggae, iniciamos um inevitável diálogo. Não há como não lamentar um fato desse, entre todos os absurdos de violência do cotidiano carioca.

O negão com pinta de músico é na verdade o contramestre Urubu, que dá aula de capoeira na Fundição Progresso – e que, por ofício e alma de artista, já desviou muitos adolescentes e jovens do crime. E o bar é a Adega Flor de Coimbra, pertinho de uma lateral da Sala Cecília Meireles. Sem dúvida, é muito agradável estar aqui, uma casa portuguesa, com certeza, fundada por seu José Lourenço, em 1938, no prédio onde morou Cândido Portinari. Inicialmente como uma mercearia que vendia laranjada, sopa caseira e bolinho de bacalhau – além do vinho, naturalmente. Daí nasceu a Adega Flor de Coimbra.

Peço um chope e o garçom me explica que agora estão apenas com cerveja (“o chope tem prazo de validade, aqui a saída não é tanta, estava dando problema...”). Peço então uma Original e um bolinho de bacalhau. A casa tem dois andares. No térreo são umas 12, 15 mesas com toalhas brancas e paninhos verdes, vermelhos e amarelos por cima. Há bandeiras da terrinha, dois barris, uma adega climatizada, vinhos expostos na horizontal, quadros do Rio antigo, um painel de Nilton Bravo, o “Michelangelo dos botequins”, uma Santa Ceia lá no alto, matérias emolduradas sobre a casa, e, ainda, em total destaque, uma plaquinha vermelha que diz: “Proibido beijo ousado”.

Pergunto ao garçom José Antônio o porquê do aviso, se já houve muitos exageros. Ele diz, com toda a calma e elegância do mundo, que não, “isso virou uma marca da casa mesmo.” Bem, há tradição para tudo. O bolinho de bacalhau, por exemplo, é campeão e também trunfo do bar; comprido e fino nas pontas, é impossível comer um só. Mas além dele há outros petiscos como cabrito aperitivo, lula à doré, iscas de peixe e sardinhas portuguesas. Entre os pratos, truta com molho de alcaparras, posta de namorado com pirão e arroz e feijoada portuguesa (com feijão manteiga e carnes nobres).

Tomo um caldinho desse feijão e converso com os garçons, o citado José Antônio e o Leandro, quando reparo que já há outros frequentadores: um casal, pelo visto, discutindo a relação. Sentados lado a lado, cada um olha para o seu infinito particular, através da janela em frente. Ela, loura de cabelo encaracolado, chora. Ele, de óculos e com a frieza de um cirurgião, bebe vinho. Parece o fim. Peço uma sardinha portuguesa grelhada e a saideira. A sardinha vem ótima e com um molho delicioso. Outros casais começam a chegar. Mas, antes de partir, observo uma reviravolta: o primeiro casal está agora aos beijos. Bem que mereciam um beijo ousado. Saúde e até a próxima.

Adega Flor de Coimbra – Rua Teotônio Regadas, 34, Lapa (2224-4582)