sexta-feira, 30 de julho de 2010

O homem quase

Quando foi libertado por bom comportamento, em 2037, temeu pela reação violenta das pessoas e por sua vida fora das grades. Mas o mundo já não sabia mais quem ele era.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Criativo, delirante... e sóbrio

DE BAR EM BAR - CERVANTES

Já estava mais do que na hora. Fui nesta semana àquele boteco que é diretamente associado ao mais célebre bardo de Copacabana, figura mitológica da boemia carioca Rio 40 graus. O bar, claro, é o Cervantes. E o personagem, mais claro ainda, é o compositor e escritor Fausto Fawcett. Porém agora com um detalhe importantíssimo: Fausto parou de beber. Fui lá me encontrar com ele.

Quando chego, por volta de 16h, Fausto já estava lá, encostado no balcão, traçando um sanduíche com guaraná, e conversando com dois amigos sobre uma de suas maiores paixões: o Fluminense, que anda muito bem na foto, um dos líderes do Brasileirão, mas que pode perder seu técnico, Muricy Ramalho, para a seleção brasileira. Não se pode ter tudo. (Eu, como botafoguense que sou, sei bem disso... Reestreia, Maicosuel! Volta logo, Loco!)

Depois de meia hora, os amigos se vão e eu e Fausto vamos para o salão interno. Há nesse momento, apenas mais duas mesas ocupadas, uma com pai e filho almoçando tardiamente, outra com duas moças tirando fotos publicitárias de um sanduíche, realmente cinematográfico, da casa. Peço meu segundo chope e Fausto, outro guaraná.

Fausto Fawcett está mais magro e muito bem disposto. Entro logo de sola no assunto que não quer calar: como é nunca mais acordar de ressaca? Com o bom humor que o caracteriza, ele conta que na verdade não havia propriamente ressaca, pois, durante uns 25 anos, sua vida no Triângulo das Calcinhas, ou na “Bukowskaia”, foi um eterno estado de embriaguez, que, parece, passou voando. E acrescenta que parou porque teve que parar: o médico disse que era isso ou o transplante de fígado ou... Mas ainda bem que ele preferiu ficar mais um bom tempo por aqui, nos brindando com sua verve e seu texto inspirado. Porque muito mais do que o poeta das louras, Fausto Fawcett é um inventor de linguagem.

Enquanto passam garçons e o reverenciam, o papo corre solto. Falamos um pouco de tudo: Dunga, seleção espanhola, surfe de peito nas ondas de Copacabana na década de 1980, beber para suportar (“a vida é isso?”), indiferença, capatazes de humanista e música digital, entre outras coisas. Enfileiro um chope atrás do outro e pergunto se isso não o incomoda. Ele, com toda a calma, diz que está tranquilo. Peço o tradicional sanduíche de filé com queijo e abacaxi para acompanhar.

Como se sabe, o Cervantes é o paraíso dos sanduíches. Aqui tem de mortadela, salsichão, patê com abacaxi, linguiça calabresa, rosbife, fiambre de peru, filé de frango e muitos outros. Mas há também pratos como churrasco à campanha, brochete de camarão, frango ao alho e óleo, língua com salada de batata, miolos à milanesa e sopas de aspargos e de tomate.

O tempo passa voando e Fausto precisa ir embora. Poderíamos continuar conversando fácil. Antes de sair, conta que em setembro publicará seu quarto livro, Favelost, e em seguida o primeiro infanto-juvenil, Lourinha levada. Fico para tomar a saideira. E me sinto feliz pelo amigo, que está leve, inteligente e mordaz como sempre e pronto para escrever novos textos que o desafiem além e aquém do território babélico de Copa. Ele pode. Saúde e até a próxima.

Cervantes – Rua Barata Ribeiro, 7-B, Copacabana (2275-6147)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O próximo passo

“Um passo para trás depois de se ter tomado o caminho errado é um passo na direção certa.”
(Kurt Vonnegut)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Com estacionamento de gaiolas e pudim

De Bar em Bar - Varnhagem

Outro dia uma leitora do JB me pediu que fosse mais à Tijuca e me enviou uma lista, muito boa por sinal, de botequins do bairro. Antes que ela pensasse que tenho algo contra a área, me apressei em esclarecer que já fiz a coluna em dois dos muito bons bares da região: Salete e Otto. E, acima de tudo, tenho pessoalmente uma relação de carinho com a Tijuca. (Conforme a teoria de um amigo meu, todo carioca que se preza tem ou teve uma namorada tijucana. Faço jus, portanto, ao meu crachá.)

Fui então dessa vez a um conhecido bar na Praça Varnhagem, o famoso bar da dona Natalina, com o mesmo nome do lugar público. O Varnhagem é daqueles botecos para a gente se sentir em casa. A matriarca da família Rosário, que bate ponto no local diariamente há mais de 50 anos, é quem supervisiona a cozinha e atende os fregueses com zelo e bom humor. Fico a imaginar se isso lhe fosse retirado – a vida perderia todo o sentido. Mas essa hipótese não existe, ainda bem.

Para abrir peço uma cerveja Original a fim de fazer par com o famoso bolinho de bacalhau da casa. Realmente, a fama não é em vão. Mesmo sendo um pouco cedo para a atividade boêmia, por volta de meio-dia, o petisco e a cerveja gelada caíram muito bem. Outros tira-gostos que também valem a pedida: croquete de carne e vaca atolada. À minha volta, alguns trabalhadores almoçam e veem televisão. Apesar de ser um pouco pequeno, o boteco de azulejos brancos e rosa e de alma lusitana tem espaço para todos.

Cheguei ao ponto onde queria. Aqui têm vez até os passarinhos, amigo leitor. Fico sabendo que nos fins de semana frequentadores trazem suas gaiolas, penduram-nas numa barra de ferro e tomam sua cervejinha tranquilamente. Não é à toa que o Varnhagem é conhecido também como o bar dos passarinhos. É ou não é sensacional um estacionamento de gaiolas? (Mesmo para quem, como eu, prefere passarinho solto.) Quem imagina que o Rio de hoje é só violência e terra de ninguém ainda não esteve por estas bandas. É uma cidade que não existe mais se recusando a ir embora de vez.

De tanto olhar as pessoas ao redor almoçando com gosto, a fome aperta. Resolvo embarcar nessa e peço o filé mignon suíno com salada de batata, arroz, feijão e farofa. Enquanto isso, observo um rapaz com ares de artista antenado, com seus piercings e boné modernos, a conversar com dois senhores de terno e gravata. Penso logo que é o tradicional caso em que o artista vai ao mecenas com o pires na mão e o coração na boca.

Porém me surpreendo inteiramente quando ouço o rapaz expor suas ideias sobre marketing e negócios com muita propriedade e total atenção dos engravatados. O que comprova o óbvio: imagem nem sempre corresponde ao que de fato é. Tal raciocínio serve perfeitamente ao Varnhagem, que a princípio até pode parecer um pé-sujo comum. Depois de degustar o prato delicioso, ainda me permiti uma coisa raríssima para mim em boteco: comer um doce. E o pudim de leite veio tão bom que me fez levitar feliz até o metrô no caminho de volta. Saúde e até a próxima.

Café e Bar Varnhagem – Praça Varnhagem, 14-A, Tijuca (2254-3062)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Porque ninguém é de ferro...

“Uma sesta clarifica maravilhosamente a cabeça para além de conceber uma renovada energia. Imagino que cerca de metade das pessoas do mundo não conseguem fazer uma sesta sem se sentirem depois um pouco obtusos, mas para aqueles que conseguem, uma sesta é uma poupança e não uma perda de tempo.”
(Patricia Highsmith)

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Viva a besteira

DE BAR EM BAR - Astor

Nesta semana fui a um botequim novidade. Além de ser um dos poucos que temos à beira-mar (sem contar os muitos restaurantes de Copacabana), é também um boteco de paulista, sem nenhum preconceito à cidade da garoa e do trabalho eficiente. Fui ao Astor, ali onde era o Barril 1.800, no início de Ipanema, com S. e os queridos amigos Mel e Maurício Barros. Uma saída com este casal é sinônimo de comer e beber bem e jogar ótima conversa fora – além de quase sempre fecharmos o bar.

Chegamos por volta de 19h de sábado. A varanda, que costuma ser a preferência, estava cheia. No amplo e elegante salão interno havia algumas poucas possibilidades de mesa, mas também já estava bem ocupado. O pouso ficou em frente ao extenso balcão, no extremo das mesas, e o mais perto das poltronas, no ambiente anexo para espera, e de parte da cozinha aberta ao público.

No início é preciso quase implorar aos garçons que notem nossa existência (talvez por não acharem que iríamos consumir; ou seja, cara de pobre). Mesmo depois do contato com o maître, ainda mantiveram por um tempo a pose blasé. Mas depois, capitaneados pelo garçom Ronaldo, justiça seja feita, tudo melhorou. Afinal, São Paulo não pode parar... e o bar também não.

Abrimos os trabalhos com ostras, os afrancesados mexilhões com batatas fritas (moules et frites) e chope cremoso da Brahma. As ostras vieram excelentes, frescas e saborosas. O chope muito bom, com a pressão na medida. Os mexilhões em molho de cerveja, numa porção não muito generosa, estavam corretos, mas não chegaram a empolgar. Pedimos então bolinhos Pirajá, que vêm a ser bolinhos com recheio de abóbora e carne-seca. Vieram ok para menos.

Outras opções do cardápio: pastéis, empadas, caldinho de feijão, omeletes, mexidinhos de rabada, polenta e agrião, de frutos do mar e de linguiça com gorgonzola. Entre os pratos, pode-se escolher entre filé com queijo Palmira, camarão com chuchu, picadinho Astor, linguado à Meuniére e frango Balthazar.

Observando ao redor, percebo um clima de azaração light. É um lugar para ver e ser visto. Logo identifico uma mesa com três amigas à La Sex in the city ali, outra mesa com dois senhores com ares de burgueses divorciados perto, passam para lá e para cá algumas modeletes anônimas, um ator de novela das oito, outro de Zorra Total, e uma turma bem mais jovem, que surge para se aglomerar na área das poltronas. A casa aumenta o som ambiente. U-hu!...

Depois dos primeiros chopes, passamos para o vinho (menos a Mel, que continuou com sua caipirinha de lichia com vodca Absolut). Começamos com um Alamos (Malbec), mudamos para um Tília (Shiraz/ Malbec) e repetimos a dose deste, ambos argentinos. Para continuar nos belisquetes, pedimos almôndegas picantes, muito boas, e em seguida besteiras à milanesa, nada mais nada menos do que pedaços de bife à milanesa com queijo emental presos no palito.

O que poderia ser só um item coadjuvante no pé-limpo bom, bonito e caro acabou sendo o destaque gastronômico da noite. Inclusive com grande aceitação nas outras mesas (o que prova que simplicidade tem o seu valor também nos lugares mais requintados). No boteco paulista com vista para o mar, a besteira foi o astro. Ah, sim: fechamos o bar mais uma vez. Saúde e até a próxima.

Astor – Rua Vieira Souto, 110, Ipanema (2523-0085)

A origem da comédia

“Se examinarmos atenta e longamente uma história engraçada, ela se torna cada vez mais triste.”
(Gogol)