sexta-feira, 24 de abril de 2009

Quarentão que ainda se cuida

DE BAR EM BAR - Petisco da Vila


Fica num bairro pelo qual tenho a maior simpatia: o bairro de Noel, do Martinho, da Martn’ália. O boteco comemorou recentemente 40 anos. (É engraçado; trata-se de um bar tradicional, bastante conhecido – por isso pensei que tivesse idade mais avançada. Quem diria, é mais jovem que eu). Estou falando, naturalmente, do Petisco da Vila, na 28 de Setembro, via que tem, em suas calçadas de pedras portuguesas, desenhos de notas musicais. Isso é bonito.

Faz uma tarde chuvosa. O que não é motivo para que as calçadas do boulevard não estejam apinhadas. Vila Isabel é célebre por suas belas mulheres. Brancas, amarelas, mulatas, negras, azuis... Pude comprovar, sentado na varanda do Petisco, numa mesinha de frente para a rua Visconde de Abaeté, que faz esquina com a 28 de Setembro. Há uma TV passando um sonolento Fluminense X Boavista para ninguém. Na parte interna do bar, algumas pessoas ainda almoçam o buffet a quilo. Na continuação do salão, indo em direção aos banheiros, há uma entrevista sendo gravada naquele momento. Por deficiência minha, não reconheço de início quem responde, mas fico logo sabendo que é a Fátima Guedes, cantora e compositora importante da chamada MPB.

Peço ao simpático garçom, um senhor baixinho de cabelos bem pretos, um chopinho na meia pressão para começar. Chega um casal e senta-se à mesa na minha frente. É uma loura e um negão. Ela, feia e irritada, fala alto e pede (manda) que o negão vá comprar cigarros no pé-sujo em frente. Parecem casados. Ela bebe chope e o negão, suco de laranja. A loura marrenta acalmou. A conversa deles decididamente não é interessante. Apenas providências práticas. Mudo para a cerveja Bohemia e peço um caldinho de siri.

Observo no cardápio que por conta da comemoração de 40 anos foram resgatados acepipes que fizeram a história da casa: moela de faisão, paio no feijão manteiga, ovo colorido, joelho de porco, fígado de galinha. Fica até difícil decidir o que pedir depois do caldinho, que veio excelente. Eis que surge no bar, por coincidência, um outro casal loura & negão. Ela, de vestido florido de alça, é uma mulher bonita e enigmática, e o negão, pura simpatia. Conversam a uma certa distância; beijo nem pensar. Ele pede logo um balde com várias cervejas.

- Eu começo a me sentir culpado. Será que eu não tentei?

A loura enigmática nada responde. Apenas toma um gole de seu drinque, um dry martini. Ele continua:

- A nossa última vez em Arraial foi doideira! Mas naquele lance eu que dei mole. Na hora da crise, me falaram: não se afasta da família. Eu disse pra ela: “Não vai haver próxima vez... Não vai... Pode acreditar em mim.”

- Você é uma pessoa suspeita.

A amante, quer dizer... a loura, ela come a azeitona do seu drinque. Da minha parte, decido-me pelo paio cozido com feijão manteiga. Estava sensacional. Peço a saideira antes de tomar o caminho de casa. O Petisco da Vila, repaginado aos 40, não é dos que se fiam na tradição e acabam relaxando no corpinho, no serviço ou na qualidade dos produtos. Ainda bem. Saúde e até a próxima.

Petisco da Vila – Rua 28 de Setembro 238, Vila Isabel (2576-5652)

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Chope novo no Luiz de sempre

DE BAR EM BAR - Bar Luiz


Uma leitora reclama que tenho me esquecido do lirismo e só fico ouvindo a conversa alheia. (Verdade, eu confesso. Aliás, nem tanto.) É a vida no bar que pulsa, e ao cronista cabe observar o que se passa ao redor. Diálogos e fragmentos entrecortados são a minha matéria-prima. Daí que tiro meus quase personagens, como Cambraia Neto, Sílvio Tornado, Clarice do Jóia e outros. Mas prometo na coluna de hoje não prestar atenção às mesas que gritam à minha vista como golfinhos de Miami – mas só dessa vez. Também, eu vim hoje acompanhado do Frejat. E, além do mais, estou num bar de alma exuberante. Estou falando do tradicional Bar Luiz, na rua da carioca, no centro do Rio de Janeiro, desde o ano de 1887.

Mas, antes de falar deste bar fundamental, abro um parêntese: Na ida ao centro, vale também uma visita à exposição dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como OSGEMEOS, no CCBB. É deslumbrante. Não é preciso entender – e nem mesmo frequentar – artes plásticas para curtir o trabalho. É grandioso e simples, inventivo, bom de se ver, pop na melhor acepção do termo. Ainda aproveitamos para ver um pouco da mostra do Filme Livre. Assistimos ao hilariante Como fazer um curta-metragem experimental, cult e pseudointelectual e ao belo filme da artista plástica Cláudia Hersz, Lifebuoy. Fechado o enorme parêntese cultural, vamos ao bar.

Entrar no Bar Luiz é voltar no tempo. Permanece tal como era em minha época de estudante de Direito, quando estagiava, ou enrolava, ali por perto – e já lá se vão duas décadas. Mas este bar, que é referência no estilo art-deco, não foi sempre o mesmo. O Bar Luiz já se localizou na rua da Assembléia, e já se chamou Adolfo (o nome mudou por ocasião do nazismo, e com a salvadora intervenção de Ary Barroso para conter uma turba furiosa de estudantes em protesto contra o “bar alemão”). Mas, na verdade, há uma alteração recente significativa. O chope deixou de ser da Brahma e passou a ser da Heineken e Sol (o claro) e Xingu (escuro). Sou fã do chope da Brahma, mas a troca não fez feio. Provei das três marcas e está tudo bem – como diz a música do meu parceiro Roberto Frejat, o funk Tudo de bom (com Maurício Barros e Bruno Levinson).

Frejat bebe água mineral. Como ele não encara carne vermelha, apenas eu comi do excelente salsichão com salada de batata, um clássico do Bar Luiz. Pedimos depois uma salada de bacalhau que veio divina. Leve e muito saborosa. Conversamos sobre insônia e, principalmente, sobre a importância específica da presença paterna na criação de filhos meninos, o dele, Rafael, o meu, Júlio (os dois, inclusive, já tocam guitarra juntos). Frejat pede uma torta de maçã de sobremesa. Ele precisa ir e eu fico mais um pouco.

Quero curtir um bocadinho ainda deste lugar. Tenho perto de casa uma filial do Bar Luiz, o quiosque na praia de Copacabana, que é legal, mas definitivamente nem larga com o clima da matriz no centro da cidade. É impossível sentar-se no Bar Luiz e não se sentir um carioca típico, com crachá e tudo. Peço então a saideira. Saúde e até a próxima.

Bar Luiz – Rua da Carioca, 39, Centro (2262-6900)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Fim de tarde no paraíso dos pastéis

DE BAR EM BAR - Bar do Adão


Fui dessa vez não à matriz, no Grajaú, porém à filial, em Botafogo, num casarão bonito e bem cuidado. Caía uma chuvinha fina no fim de tarde e o bar ainda estava meio vazio, esquentando para a noite. Uma ou outra mesa ocupada na parte externa, deu para escolher, tranquilamente, meu lugar no salão do pavimento térreo, perto da janela. Mas o “meio vazio” foi ledo engano. Em pouco tempo o bar lotaria. Estou falando do Bar do Adão, na rua Dona Mariana.

A primeira impressão logo é favorável. Na parte interna, há mesas e cadeiras de madeira. No térreo, em destaque, um enorme lustre art-déco. Nas paredes, onde muitas vezes está a identidade e, portanto, a alma de um bar, há pôsteres de LPs clássicos da MPB. Como “Sentinela”, de Milton Nascimento, Meus caros amigos, de Chico Buarque, Luar, de Gilberto Gil, Como dizia o poeta, de Vinícius, Toquinho e Marília Medalha, e muitos outros. Ah, tem também o Fagner de Eu canto...

Lembro-me das centenas de LPs que colecionava e me desfiz, sem espaço em casa e já sob o império do CD. Lembro-me também de uma crônica recente de Nelson Motta em que ele, como um Fukuyama pop, falou do “Fim da música”. É verdade que há uma saturação e que a maioria esmagadora do que se produz hoje, incessantemente, é lixo. Mas “Fim da música”? Continuamos a ter ótimos nomes “novos” para o mercado: Junio Barreto, Céu, Edu Krieger, Roberta Sá, Vanguart, Qinho & Os Cara, Rodrigo Maranhão, Rodrigo Bittencourt, Rodrigo Santos, são alguns deles. Mas o que interessa aqui, no Bar do Adão, é que os grandes mestres são cultuados e isto é bem agradável de se ver.

Como já disse, o bar encheu rápido. É que hoje, uma terça-feira, acontece a promoção de pastéis, o forte da casa. Qualquer um por R$ 2,30. Aliás, o Bar do Adão é o paraíso dos pastéis. (tem até o pastel “Pressão alta”, que leva aliche e alguns outros ingredientes explosivos). A casa enche de jovens e do pessoal que trabalha ali perto e vai depois do expediente. Mas um pouco antes disso, enquanto tomava o primeiro chope e pedia o primeiro pastel, de cogumelo (shitake, shimeji, e funghi secci), pude observar uma mesa de duas senhoras à minha frente. Eram duas velhas cultas, modernas, despachadas.

- A mulher não atura mais aquele homem desagradável. Isso já era. Mas ele é muito interessante.

- Eu agora peguei a mania de não depender de ninguém. Levo sempre meu jornal para a loja. Quando não é mais preciso, saio mais cedo e vou ao cinema. Aqui em Botafogo tem sempre filme bom passando.

Fico a me deliciar com a conversa das duas senhoras. Mas não dura muito. Logo elas têm que sair pois precisam pegar a oficina mecânica ainda aberta. É uma pena. São mulheres esclarecidas, abertas para o mundo, com a vantagem da experiência. Depois que elas saem, enfileiro os pastéis de palmito, o de queijo brie com damasco e o francês (camarão, alho poró e catupiry). São todos muito bons, sequinhos, com recheio generoso. E se me perguntassem: “Qual você preferiu?”. Diria sem pestanejar: “O de cogumelo.” Saúde e até a próxima.

Bar do Adão – Rua Dona Mariana, 81, Botafogo (2535-4572)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O recanto onde sempre é noite

DE BAR EM BAR - Gibeer


Por indicação de amigos, fui com S. ao Gibeer, na rua Lopes Quintas. O pequenino bar, de fato, é bem interessante. Abre só no fim da tarde e por isso lá é sempre noite. Em suas paredes, cartazes e bolachas de cervejas do mundo inteiro, e ainda pôsteres de histórias em quadrinhos como Asterix, Tintim e Mickey. Há, também, um reservado, uma saleta com um grande sofá de couro. O salão propriamente possui umas oito ou nove mesas e alguns banquinhos redondos em volta do balcão. A decoração é simples, despojada, elegante.

Mas acho que não dei muita sorte. Na véspera, houve uma festa na casa e, apesar da extensa carta de cervejas, o estoque disponível estava bem limitado – e um pouco salgado, digamos a verdade. Fui então de chope. Aliás, excelente, de fabricação artesanal. Bem, o bar estava, por volta de nove da noite, com apenas uma mesa ocupada, além da minha. Mas não pensem que o local estava silencioso. Pelo contrário. O som ambiente alto e o alarido da mesa ocupada por seis marmanjos impediam a paz.

- Tá de saco cheio da sua mulher? Pega a Ponte Aérea. Passa uma noite em São Paulo. Você não vai se arrepender. No dia seguinte, pega um avião de novo. E tudo certo.

A gargalhada que veio após o plano estratégico me lembrou do Bambam, grande Rodrigo Bandeira. Virei para olhar a peça e chego a levar um susto. De costas, era praticamente o meu amigo Bandeira. Gordo, baixinho, debochado. E, pelo visto, bem nascido. Essa pequena fuga para espantar o tédio conjugal, independentemente de ser machista ou não, não é para as massas, obviamente. Ao redor do gordinho sátiro, o único que estava de gravata, como a denunciar que veio direto do trabalho, espalhavam-se os amigos de camisa pólo e feições semelhantes. No que trabalharia o gordinho sátiro? Eu apostaria no mercado financeiro. De qualquer forma, ele era o comandante da mesa.

Já que nos era impossível conversar, a mim e a S., ainda que um desconfiado garçom tenha abaixado o som ambiente, peço ao mesmo e único garçom uma porção de croquete de carne para melhor acompanhar as aventuras do gordinho.

- Aquela fase foi braba. Separei pra dar um tempo à madame e aí fui morar logo com quem?... Eu chegava do trabalho e ele: “pra onde a gente vai?” A gente voltava de madrugada, bêbado, completamente louco, e eu tinha que acordar às sete. Ele, ao meio dia. Na noite seguinte era a mesma história: “pra onde a gente vai?” Meu irmão, eu até emagreci.

Todos caem na risada. O gordinho sátiro pede mais uma cerveja Norteña grande. Agora, só long neck, informa o garçom. O gordinho faz uma cara de meter medo. Eis que surgem no bar duas amigas dos rapazes, que até então estavam relaxados, na galhofa, e se transformam ao vê-las. Uma delas chega na animação total:

- E aí, vocês não vão assistir ao jogo do Flamengo? Não acredito!

Como se tivessem recebido uma ordem superior, em pouco tempo todos os seis marmanjos estavam do lado de fora já rumando para outro local. A mim e a S. só restou terminar os ótimos croquetes. Saúde e até a próxima.

Gibeer – Rua Lopes Quintas, 158, Jardim Botânico (2279-4161)