quinta-feira, 2 de junho de 2011

Inda renascerei do pó de Hipócrates

(A SOMBRA DO FAQUIR 17)




Após quase meio século de praia, só hoje aprendi a dormir de barriga para cima (quando era bebê não conta). Pode parecer uma bobagem, mas é um recurso extremamente útil quando não se consegue respirar direito. É verdade que dormi mal, volta e meia me lembrava de que estava engessado naquela posição engessada, fazendo com que o sono fosse bem rasteiro. O máximo que me era permitido pelo nariz em erupção era uma viradinha de lado. Mas foi muito melhor do que não ter dormido coisa nenhuma – que foi o que aconteceu nas duas noites anteriores.

Se pudesse tomar uma injeção, com agulha grossa e tudo, na testa ou na costela, para ficar bom logo, no ato, toda vez que caísse doente, eu o faria feliz. Sempre fui muito impaciente com doença. Acredito que parte considerável dos homens também é assim. (O que só comprova a nossa eterna imaturidade perante as mulheres). Como se sabe, elas toleram melhor a dor, e ainda assim vão mais ao médico, vivem mais. (Logo penso: viver mais para quê?... – mas estou doente, deixa para lá.)

Neste sentido, este 2011 – que já chega à sua metade – tem sido uma provação para mim. Depois de iniciá-lo com mergulhos e hábitos mais saudáveis, retomando uma empolgação esportiva que julgara abandonada no tempo, tive dores e uma temporária surdez num dos ouvidos (já tinha ouvido falar disso para músico, nunca para letrista). Depois fraturei a perna, por excesso de carga (já faz três meses e a situação ainda não voltou completamente ao normal). Tive também uma gripe forte há um mês e agora veio uma recaída. Deixo claro que não sou vítima de nada, mas fico pensando no que virá depois.

Além das conclusões apressadas (e óbvias) de que preciso me benzer e a velhice é fogo (é a mãe), fui levado a me adaptar às limitações em série. Mas pude também me dar ao luxo de dispensar da agenda o que não é essencial e tentar botar em prática a noção de que o corpo doente precisa da força da mente sã – ou de ao menos algo perto disso. E até usufruir de certo afinamento da sensibilidade que a dor e a restrição oferecem. Quando era criança, por um lado, gostava de ficar doente para não ter de ir ao colégio; depois, já adulto, para não ir ao trabalho. Só que o mal-estar geralmente não compensava. Hoje trabalho (na corda bamba) em casa fazendo o que mais gosto e de bem com a relativa solidão. Como ler e escrever estão liberados, já é alguma coisa. De qualquer forma, acho que vou procurar um Preto Velho.

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