quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

À prova de dissabores

DE BAR EM BAR – Caroline Café


O bar escolhido dessa vez foi um mero detalhe. Ao definir onde seria o encontro, quase fomos a uma (ótima) churrascaria por sugestão do meu convidado. Para não contrariá-lo, cheguei até a pensar numa categoria à parte para incluir a ida a uma churrascaria no De bar em bar, tal é a importância de meu personagem. Mas mudamos tudo na hora H, após assistirmos a um debate entre a professora e ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda e Armando Freitas Filho, um dos maiores poetas brasileiros vivos e (fato que desconhecia) um cara engraçadíssimo sob os holofotes, a propósito do lançamento de uma antologia do poeta, com a seleção de poemas feita por Heloísa. Comprei o meu exemplar no ato. E fomos então ao Caroline Café, ali perto do POP, local do debate.

Mas antes de falar do bar gostaria de dizer que, assim como Armando, o meu ilustre convidado, o filósofo, poeta e letrista Antonio Cicero, pode tranquilamente estar inscrito no mesmo rol de melhores poetas brasileiros vivos, apesar da obra relativamente curta até agora. É dele o extraordinário poema Guardar (“Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. / Em cofre não se guarda coisa alguma. / Em cofre perde-se a coisa à vista. / Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por / admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. / ...”), incluído, com todo o mérito, no livro Os cem melhores poemas brasileiros do século (XX), com a organização de Italo Moriconi.

Bem, vamos ao bar. Chegamos ao Caroline Cafe às 20h e o local estava tão vazio e escuro que chegamos a imaginar que estivesse fechado. Entre a simpática varanda e o salão interno refrigerado, preferimos este devido ao calor. (A casa tem também um segundo andar, onde costumam acontecer festas, som alto rolando etc). Pedimos logo dois chopes. Começamos conversando sobre o curso de Poesia e Letra de Música que Antonio Cicero havia finalizado na semana passada. Ele conta que gostou da turma e da experiência inédita, para ele, de ministrar esse curso. “Mas estou mais acostumado só com a poesia. Fiquei achando que faltou falar sobre muita coisa.” Eu, que já passei pela oportunidade de dar uma oficina também sobre os dois gêneros e como seu aluno no curso, diria que foi sensacional. Tanto que ao final da última aula, vários alunos, como a elegante cantora Katia B, pediram bis, e que as aulas continuassem. Cicero consegue ser ao mesmo tempo culto e simples, coisa das mais raras. Mas sabiamente desconversou e a vida seguiu em frente.

Enquanto pedimos para beliscar um tartar de salmão, falamos sobre o trabalho do compositor, ou seja, o nosso trabalho. Antonio Cicero é coautor de músicas como “À francesa”, “Fullgás”, “O último romântico” e “Para começar”; parceiro da irmã Marina, bem como de outros grandes nomes de nossa música, como Lulu Santos, Adriana Calcanhotto, João Bosco, o poeta Waly Salomão e o meu também parceiro Roberto Frejat (com quem tem a linda “Bagatelas”). Embora o papo fluísse redondo, o tartar de salmão veio mais ou menos. De certa forma foi uma surpresa porque das outras vezes que viera aqui tinha comido bem e a casa, apesar de estar bombando, tinha clima agradável. Até o chope, a uma determinada altura, parou de vir e o garçom que inicialmente nos informou que iriam trocar o barril depois nos disse que teríamos que escolher outra bebida. Mas a troca não se fez necessária, deram lá um jeito.

A casa oferece, além de um sushi bar, os seguintes petiscos: pastéis, mini burgers, nachos com cheddar, caldinhos de feijão e de bobó, carpaccios e tacos crocantes. Em relação aos pratos de “cozinha contemporânea”, pode-se optar entre steak de atum, frango ao limão, ravióli Chanel e camarão à Cocchin (camarão ao molho de lassi – leite de coco, gengibre e masala – servido com arroz basmati). E há ainda os sanduíches: Texas burger, Baby burger, Baby chicken burguer, e Mushroom jazz (cogumelos frescos e gorgonzola no pão francês com batata frita e saladinha). Entre as bebidas, além do chope, drinques e coquetéis variados, uísque, aperitivos como absinto, saquê, tequila, vinhos e uma boa quantidade de marcas de cerveja nacionais e importadas.

Voltando ao papo sobre música, eu e Cicero lamentamos que com a revolução da música digital, a crise do mercado fonográfico, a pirataria, os downloads gratuitos e a morte anunciada do CD, a remuneração do compositor no Brasil, especialmente daquele que não é também cantor, não faz show, tenha caído tão drasticamente. A ponto de tornar hoje quase inviável uma profissão que até muito pouco tempo era remunerada com dignidade, na medida da importância que a música exerce na vida das pessoas (principalmente do povo brasileiro, essencialmente musical). Pergunto-lhe se tem esperanças de que nosso trabalho volte a ser valorizado financeiramente como na época em que se vendiam discos. “Sim, mas é preciso que se criem mecanismos para que as pessoas paguem as músicas que baixarem. Acho que isso é possível. Temos que nos mobilizar.” Concordo, e uma hora o mercado vai ter que se ajustar aos novos tempos – só espero que ainda estejamos vivos.

Conversamos também sobre Caetano, Chico Buarque e Noel Rosa, a parceria com o elétrico Waly, blogs, Barra da Tijuca, tradução de poesia e um artigo brilhante do médico Drauzio Varella, “Violência contra homossexuais” (que deveria ser lido nas escolas). O bar já tinha um outro movimento, mas mesmo assim longe daquele que presenciei noutras vindas. Fiquei até na dúvida se os cariocas estão ainda ressabiados, na ressaca dos últimos acontecimentos da nossa guerra civil cotidiana. Para acompanhar o chope de saideira, pedimos dois sanduíches Caroline burger (contrafilé grelhado, mussarela, alface, tomate, cebola e fritas). Mais uma vez, não foi grande coisa. É pena, pois, como disse, tinha boas recordações desse bar com personalidade própria. Mas às vezes tem a questão do dia também. O encontro bacana com Antonio Cicero, no entanto, valeu por qualquer dissabor. Tá tudo certo. Saúde e até a próxima.

Caroline Café – Rua J.J. Seabra, 10, Jardim Botânico (2540-0705)