sexta-feira, 30 de abril de 2010

Um Brasil longínquo, logo ali

DE BAR EM BAR - Arataca


Se outro dia percorri um Nordeste que resiste aqui no Rio, na Feira de São Cristóvão, dessa vez fiz uma incursão por um Brasil mais longínquo. Visitei o simpático Arataca, de Copacabana, especializado em comidas típicas do Pará. (Lembro-me do tempo em que havia o restaurante, na Figueiredo Magalhães, e a lojinha, na Domingos Ferreira. Restou apenas esta.) Basicamente é um lugar para compra de produtos e refeições completas, mas o amigo leitor pode tranquilamente tomar sua cerveja e comer uns petiscos, acompanhando o vai-e-vem de uma das ruas mais agradáveis do bairro.

Sobre os produtos à venda, têm-se manteiga de garrafa, farinha amarela, tapioca, camarão seco, doce de buriti, pimenta malagueta. Para comer na hora, casquinhas de caranguejo, sururu e lagosta, tacacá, bolinho de pirarucu, carne de sol aperitivo e porção de acarajé. A casa oferece ainda os pratos: pato no tucupi, costela de tambaqui, carne-de-sol com feijão de corda, fritada de caranguejo sarapatel, maniçoba (farinha amarela com carne de porco), galinha cabidela.

Peço uma casquinha de caranguejo e uma cerveja grande Cerpa, de 600 ml, muito difícil de ser encontrada. Há também as bebidas típicas, como as batidas de cupuaçu, graviola, taperebá e maracujá e os licores de jenipapo e açaí. A cerveja vem geladíssima e a casquinha, uma delícia. Nesse momento estou sozinho nas mesinhas que ficam na calçada. Mas observo o movimento do pé-sujo ao lado, com os moradores da área ainda comentando o justo e sofrido triunfo do meu Botafogo no campeonato carioca. (Apenas sorrio.)

Eis que chegam ao Arataca um casal e duas jovens amigas. Devido à proximidade, fico sabendo que eles vieram do Parque da Catacumba, na Lagoa, onde foi montado um circuito de aventura, com arvorismo, rapel, tirolesa e muro de escalada. Uau. Peço então outra cerveja (mudo para Bohemia) e bolinhos de pirarucu. Rapidamente, fico sabendo também que as amigas são mais que amigas. A mais velha, a mais falante, discorre sobre seus projetos ecológicos: “Para de pensar que aquele é o todo e passa a olhar ao redor...”

Os bolinhos de pirarucu, peixe do rio Amazonas, vêm bons, porém, confesso que já comi melhores em outras vindas aqui. Enquanto os degusto, surgem novos frequentadores. Dois homens e duas mulheres. Uma delas, muito simpática, conta: “Tenho uma amiga que é a pessoa mais simpática que conheço. O ladrão veio dar o bote e ela: ‘Ai, que susto!, achei que você ia me assaltar...’, deixando-o sem graça. Depois bateu um papo com ele, no final, disse tchau, valeu e ainda deu um dinheiro para o ônibus.” Desconfio que a simpática era ela mesma. Como diria o bardo Aldir Blanc, um dos ídolos dessa coluna, simpatia é quase amor.

Fecho meus pedidos com o ponto alto da comilança: a sopa de caranguejo. Forte, bem-servida, uma beleza. Faltou só dizer que na mesa da simpática havia a mulher loura com olhos de fofoca. Praticamente virou sua cadeira para a mesa das namoradas. Que feio. Eu, como voyeur de botequim, asseguro: ser discreto é fundamental. Saúde e até a próxima.

Arataca – Rua Domingos Ferreira, 41 B, Copacabana (2549-2076)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dois lados

“Prefiro o paraíso pelo clima, o inferno pela companhia.”
(Mark Twain)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Uma maratona com obstáculos

DE BAR EM BAR - Tropeço


Devo logo esclarecer que dessa vez foi praticamente uma maratona: seis horas de bar. A coluna, porém, quase não acontece. Combinei de ir ao botequim com um amigo que não mora no Rio. Era para termos nos encontrado na quarta-feira. Mas ele esqueceu, amigo leitor. Simplesmente esqueceu... Diante de tal tropeço, só me restou levá-lo, na sexta, ao novo bar do Leblon, cria do Degrau.

Fora o inacreditável esquecimento, Renato Salazar é um grande amigo. Tão amigo que somos compadres de mão dupla: eu sou padrinho de seu filho,Víni, e ele do meu Júlio. Estudamos juntos no Colégio Andrews. Somos de uma geração da tradicional escola de Botafogo que tem os músicos Roberto Frejat, Nilo Romero e Luce, o deputado Otávio Leite, o arquiteto João Uchoa, o ator Felipe Martins, o artista plástico Marcus André e outros menos conhecidos, mas não menos importantes na minha história pessoal.

Chegamos no Tropeço às seis da tarde. Conseguimos logo a melhor mesa, na beira da calçada. Uma frequentadora pagava sua conta e nos cedeu o lugar, não sem antes nos recomendar os pastéis da casa. Nem precisava tamanha delicadeza, pois os conheço bem – sou fã dos famosos pastéis do velho e bom Degrau. Mas, como já disse o compositor Aldir Blanc, o boteco “é o último reduto da gentileza.”

Pedimos o primeiro chope, enquanto meu amigo me fala de seu renovado amor à nossa cidade (submersa ou não). Surfista, biólogo e mestre em políticas públicas, Renato Salazar é daqueles cariocas com crachá e tudo, eternamente queimado de sol, mesmo tendo ido morar em Florianópolis, há 16 anos, em busca de uma vida mais pacata. Pergunto-lhe se ainda faz sentido a ideia de que Floripa seria um Rio de Janeiro da década de 1940. “Não, atualmente a distância diminuiu; seria como o Rio de 25 anos atrás.”

Lá pelo quinto chope, pedimos o Invocado (iscas de peixe com molho picante). Veio excelente a porção, saborosa e farta. Os outros petiscos do cardápio também levam títulos espirituosos, como Sirizinhos nada egoístas, Longe de casa, Vai dar samba e Camarões boêmios. Entre os pratos, pode-se degustar o risoto de tomate seco com camarões, nhoque de ricota, salmão ao molho de vinho, frango com catupiry e batata leonesa.

Lá pelo 10◦ chope, resolvo ir ao banheiro e é quando observo melhor a casa. São dois andares, com iluminação baixa, paredes amarelas com pôsteres de praia e fotos com situações como o “cofrinho” de fora, a saia presa na saída do banheiro e a alface no dente. Com tantas imagens sugestivas, pronto, eis que subindo os degraus para o reservado dou uma tropeçada, mas ainda bem que ninguém viu, ninguém soube.

Lá pelo 50◦ chope, chegam ao bar um amigo de Renato – Alfredo – e sua ex-namorada. Pedimos então os pastéis de camarão com shitake. Ótimos. A conversa toma outros rumos: falamos de astrologia e candidatos a presidente da República. Sinto que é a hora de tirar o time de campo. Quando já estou no táxi, Renato me liga para dizer que sua chave ficou na minha mochila. Ainda faltava o tropeço final. Saúde e até a próxima.

Tropeço – Avenida Ataulfo de Paiva, 517, lj A, Leblon (2239-3121)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Quatro coisas sobre ela

O riso aberto de quem sabe tão cedo a sombra
metafísica e estética de um bar.

A pele morena dançando a urgência
da vida e do sexo.

A busca, essa eterna busca,
de algo que nunca virá.

O atalho temático de mar que estende
a curva até o céu.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Tem xinxim, acarajé e chope gelado

DE BAR EM BAR - Estação Baião de Dois


Dessa vez, amigo leitor, fui a um bar na sucursal do Nordeste que temos ali depois do túnel, no começo da Linha Vermelha, quebrando à direita. Cá estamos na tradicional feira de São Cristóvão. Filho de uma piauiense (com mineiro) que sou, sinto-me em casa entre zabumbas, sanfonas e chapéus de couro. Caruru, bobó, biju, xinxim de galhinha... Ó, xente!

Mas para falar a verdade, esse é um lugar tanto para emigrados que vieram trabalhar aqui (os nossos queridos paraíbas) quanto cariocas e turistas em geral – para quem tem intimidade ou não com a cultura nordestina. Poderia estar melhor cuidado o local? Poderia. Mas dá para se divertir.

Às seis da tarde de um sábado, faz um calor dos infernos por entre as vielas, cheias de pequenos bares, cada um com seu respectivo som a todo volume. (Fora o show que rola num palco no centro da feira.) É a maior balbúrdia, quase uma agressão sonora, mas não vi uma briga, uma confusão. Beleza.

Escolhi o Estação Baião de Dois para sentar pouso. Além do ar condicionado, é amplo e dá para observar bem o que se passa tanto no salão quanto na passarela que se forma lá fora. Me lembra até a rua das pedras de Búzios ambientada num sertão cinematográfico, se é que dá para me entender.

Peço logo um chope e uma porção de patinhas de caranguejo à vinagrete. Outras opções de petiscos: queijo coalho com melaço de cana, casquinha de siri, acarajé, bolinho de rã. Entre os pratos, a casa oferece galinha caipira ao molho pardo, sarapatel, buchada de bode, galo da feira e vaca atolada com pirão e arroz. As patinhas vieram ótimas. Só achei a porção um pouco pequena para o preço (R$ 35). Ainda mais se levando em conta que as porções dos pratos são bem fartas.

Mas (quase) tudo certo. Já que estamos aqui o melhor é curtir. Então vêm em série acarajé, caldinho e casquinha de siri. Cada um mais gostoso que o outro. Ah, sim, o chope, servido em caneca, é bem tirado e geladíssimo. Então peço mais um, enquanto observo a decoração da casa: o enorme salão, em branco e verde, possui quadros de praias nordestinas pelas paredes. Em volta delas, há cajueiros cenográficos com frutas de plástico pendurados. No centro do salão, abóboras e cana-de-açúcar.

Olho para o meu vizinho do lado. É um senhor careca, que parece o escritor inglês Nick Hornby (autor de Alta fidelidade e Um grande garoto que viraram filmes de sucesso). Ele está com a esposa. Bebem uma cachacinha, passam para o chope e depois arrematam com uma carne de sol e aipim frito. O verdadeiro, o inglês, além de ótimo escritor, é um cara que adora futebol e música. Grande Nick.

O Nick de São Cristóvão e sua esposa falam sobre o vestibular do filho e escolha de profissão. Fazer escolhas pode ser um drama. (Às vezes é difícil optar entre um caldinho de camarão e um de feijão-de-corda, o que dirá escolher uma profissão para a vida toda.) Mas, no meu caso, fiz bem vir em vir ao Estação Baião de Dois. Fica para uma outra oportunidade a visita a um boteco carioca do Nordeste mais profundo. Saúde e até a próxima.

Estação Baião de Dois – Av. Nordeste, lj 46, Feira de São Cristóvão (3860-3296)