quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quem manda é o Russo

DE BAR EM BAR (87) – A Polonesa



Havia planejado ir ao bar vencedor do recente Comida di Buteco, o Da Gema. Mas o tempo virou, choveu e passei pro Real Chopp aqui do lado. Na hora H, já caminhando pela Toneleros, o vento frio batendo na nuca, mudamos mais uma vez, para um lugar mais perto e fechado, para a boa e velha Polonesa. (Alguém poderia objetar que A Polonesa não é um bar e sim um restaurante. Em termos ortodoxos, sim; não é. Mas eu poderia também retrucar: Não é para você, seu ingrato... peça uma pasta de repolho, uma cerveja, um steak tartare...). Depois de tantos bares goela abaixo, penso que o conceito de bar é uma questão mais do que tudo afetiva. Portanto, fomos ao bar Polonesa...

Frequento aqui há quase duas décadas e é impressionante a regularidade. A pasta de repolho e o steak tartare são imbatíveis. Como também é imbatível a dupla de garçons: Russo e Silvano. Fazia tempo que não vinha e cheguei a pensar que os dois poderiam cumprimentar-me de forma protocolar. Mas não teve disso. Quando o Russo me viu, veio pro abraço. Cumprimentou a Sylvia também com alegria. Sentamos numa mesa encostada na parede à direita de quem entra, mais para o fundo.

A iluminação baixa, as tábuas de madeira no teto, os pôsteres e as matérias sobre a casa compõem o ambiente aconchegante, me fazem sentir saudades da Polônia que ainda não conheci e, nesse momento, também ajudam a me lembrar do poeta Paulo Leminski, descendente de polonês (“Uma mosca pouse no mapa / e me pouse em Narájow, / e a aldeia donde veio / o pai do meu pai, / o que veio fazer a América, / o que vai fazer o contrário, / a Polônia na memória, / o Atlântico na frente, / o Vístula na veia”). Por enquanto há apenas outras duas mesas ocupadas em Narájow. Em vez da cerveja habitual, peço uma garrafa de vinho.

Quando o Russo traz a garrafa de Periquita e o couvert, com pão preto e francês, manteiga, azeitonas verdes e a referida pasta de repolho, pergunto pelo rubro-negro Silvano. Russo, a alegria em pessoa, momentaneamente fica cabisbaixo. “Viajou para ver o pai. O pai dele estava mal fazia tempo. Só foi o Silvano chegar que o velho morreu em seguida.” Russo fala de seu pai, que também não anda bem, já tem 86 anos. Mas a tristeza logo passa. Enche as taças até bem mais da metade. A vida tem que seguir em frente. Diz que rico só vai ficar se ganhar na loto, mas que não pode reclamar, pois já tem tudo do que precisa. Casa, carro, filhos criados. Aí começa o show.

Ansioso, ele traz logo a magnífica sopa de beterraba enquanto ainda me entretenho com a pasta de repolho que está no finzinho. Pergunto se ele não poderia trazer mais um pouco da pasta para comermos com o resto dos pãezinhos que sobraram. Russo diz que é pra já e traz uma quantidade até maior do que a inicial. Elétrico, por um instante ele vai até a cafeteira automática para fazer uma xícara para ele mesmo. “Para espantar o sono, né...”

O cearense avermelhado, de estatura mediana, gordinho, de óculos, se empolga e fala do filme em que fez uma ponta (é do diretor de “Central do Brasil”...a Camila Pitanga me adora...), vai lá dentro e mostra o jornal com foto e uma matéria sobre ele, conta da sua comemoração, na véspera, de 28 anos de casado. Ainda estamos tomando a sopa de beterraba quando o inacreditável Russo já aparece com o prato de steak tartare. Vem todo feliz, alardeando que veio no capricho e comenta que agora aprendeu um novo método para misturar o prato. Com todo o cuidado para não contrariar a estrela, observo que ainda quero aproveitar a sopa com calma. Mas ele não se faz de rogado: “já vou preparando que é pra não esfriar...” e ri. Então rio também, mesmo que não faça o menor sentido.

O steak tartare estava bem cremoso e absolutamente extraordinário. É o melhor da cidade, sempre foi. Porém, com o novo método (e a porção no capricho), a experiência gustativa dessa vez foi ainda mais transcendente, se é que isso é possível. E para dar um toque de pura anarquia ao momento sublime, Russo, depois de preparar o prato, tirou, sem nenhuma cerimônia, uma colherada com um pouquinho da porção para ele mesmo. Orgulhoso, ainda mostrou para a bela polonesa do caixa e foi degustá-la assistindo singelamente a tevê com a dona/gerente. É preciso muito moral para fazer isso.

Outros pratos que também podem ser apreciados por aqui: estrogonofe de carne, frango ou camarão, goulash, badejo grelhado com raiz-forte, sopa de palmito ou de cerveja. No quesito sobremesa, a grande pedida é o suflê de chocolate, fumegante perdição, ainda mais no friozinho. Um detalhe importante: deve ser encomendado junto com o prato principal. Mas que não foi necessário – a felicidade já estava completa. Só faltou dizer que o Russo, além de mandachuva do pedaço, ainda por cima é botafoguense. Saúde e até a próxima.

A Polonesa – Rua Hilário de Gouveia, 116, Copacabana (2547-7378)