sexta-feira, 26 de junho de 2009

Getúlio e Machado, eu e você

DE BAR EM BAR - Lamas


Vamos convir, amigo leitor, que não é qualquer um que faz 135 anos sem transformar-se numa autêntica múmia empalhada. Ou sem antes desaparecer de forma indelével. Pois essa dourada longevidade é precisamente atributo do Café Lamas, fundado em 4 de abril de 1874. Um lugar que, nesse tempo todo, foi frequentado por personalidades de A a Z. Quer um exemplo? Getúlio Vargas costumava tomar seu chá das cinco na casa, que fica perto do Palácio do Catete. E mais: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Epitácio Pessoa, Osvaldo Aranha, João do Rio. E eu e você e todo mundo.

Fui dia desses ao Lamas, numa terça-feira à noite. Dei a sorte de ter uma mesa vagando na hora em que cheguei, justamente no meu lugar preferido: no canto principal, à direita de quem, ao atravessar o estreito e baixo corredor, entra no salão e descortina todo um ambiente de Rio antigo. Aliás, houve alguma reforma mais recente que deixou suas paredes numa cor mais avermelhada, porém os espelhos em suas laterais continuam lá. Seus velhos garçons também; e, principalmente, seu incrível cardápio (onde mais se poderia desfrutar um mingau maizena com duas gemas? Gemada? Guisadinho de filé?).

Mas, por ora, peço apenas um chope. Estou esperando meu amigo Eduardo Coelho, jovem doutor em Literatura e editor de meu primeiro romance (digo “primeiro” porque estou começando a escrever agora um segundo, e mais uma vez meto-me de cabeça numa viagem sem destino assegurado). Enquanto o amigo não vem, lembro-me dos tempos em que frequentava assiduamente o Lamas. Trabalhava no Consulado Geral do Japão e vinha aqui almoçar. Sempre aproveitava para escrever algo, como a peça que planejei (e não consegui concluir) sobre um pequeno funcionário que atravessava toda a história da cidade. Até que um dia pedi demissão do emprego para tentar escrever não apenas no almoço.

Eis que chega o Eduardo Coelho. Vem um pouco combalido por uma alergia. Foi nomeado recentemente diretor do Arquivo-Museu de Literatura da Casa de Rui Barbosa (que contém o acervo de Drummond, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, entre outros autores; é o mais importante arquivo de escritores brasileiros). Em contato com a papelada histórica, Eduardo tem enfrentado problemas de ordem médica. Mas nada que empane a alegria desse trabalho para um aficionado pela literatura. Brindamos então: eu com chope e ele com guaraná. Pedimos uns pastéis de entrada. Curioso: nunca havia comido pastéis no Lamas. E não é que são muito bons?

Conversamos, naturalmente, sobre a importância fundamental dessa preservação de nossa memória literária, como também, dando um salto no escuro, sobre o futuro do livro, e-book e essas modernidades que, dizem, tal como aconteceu na música, vai mudar a forma de se ler. Não sei; afinal, com o livro já aconteceram outras mortes anunciadas, mas nunca levadas a cabo. Ao contrário de nossa fome aqui no Lamas. O bife à milanesa com guarnição à francesa estava ótimo. Como sempre. Deu até saudade de trabalhar com os japoneses. Saúde e até a próxima.


Café Lamas – Rua Marquês de Abrantes, 19, Flamengo (2556-0799)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Costela dispensa garfo e faca

DE BAR EM BAR - Cachambeer


Fui dia desses ao Cachambi conhecer o bar que possui “a maior variedade e os melhores petiscos da região”, segundo apregoa o colorido cartãozinho de apresentação do Cachambeer – e que eu não sei exatamente como veio parar em minhas mãos. Bom, fui lá para conferir. Confesso que não conheço bem o bairro, então não posso falar comparativamente com os outros bares da área. Mas que o Cachembeer é isso tudo, é.

Picanha na macaxeira, Palmito in natura com camarão e catupiry, Joelhão do Cachambeer, Infarto completo (coração, linguiça, torresmo, carne-seca, carne-de-sol, aipim frito, cebola, salsinha e manteiga de garrafa) e a famosa Costela no bafo são algumas das estrelas da casa, que vende substanciais 180 kg de carne por semana. Outras são o próprio cozinheiro do bar, o Pança, e o dono, o figuraça Marcelo Novaes (não é o ator, que é com dois “Ls”; é o Marcelo Novaes do Cachambeer mesmo, já devidamente entrevistado pela nossa Domingo).

Cheguei por volta das 21:30 de quinta-feira e o lugar estava bombando. De cara, vê-se que não é um bar qualquer. O Cachambeer tem DNA. As paredes são azulejadas em amarelo e vermelho. Nelas, há pôsteres ultracoloridos de alguns pratos da casa. Perto do balcão, há um pequeno altar para São Jorge, protegendo-nos a todos. Na TV passa um DVD com show do Zeca Pagodinho. O clima é o melhor possível. Casais namorando, turmas de amigos, felicidade no ar. “Cai dentro, mermão, cai dentro que é dinossauro. E vai no susto! Se for no susto o osso cai para um lado do prato e a carne para o outro”, ensina o simpático e carioca até a medula Marcelo Novaes. E, por incrível que pareça, não é exagero.

A costela no bafo do Cachambeer é realmente sensacional. Trata-se de uma costela adormecida por 12 horas em banho de ervas, assada por cinco horas em churrasqueira. Vem servida na chapa, acompanhada com farofa e molho a campanha, aipim frito na manteiga ou arroz e batata frita. Como diz o outro, é para comer rezando. A rigor, para se cortar não é preciso nem faca, e a carne ainda desmancha na boca, causando um prazer difícil de ser esquecido. Por falar nisso, já ia cometendo uma injustiça. De entrada, comi um bolinho de carne seca, que embora não tão perfeito como a costela no bafo, também vale a pedida.

Um capítulo à parte na história do Cachembeer, esse bar que obviamente fica aberto até o último bebum, é o seu cardápio. O que é o cardápio do Cacheember? Vou tentar descrevê-lo, caro leitor. Antes, um pequeno comentário: poderia perfeitamente estar numa exposição de arte kitsch contemporânea. O cardápio, com ilustrações multicoloridas em alto relevo que praticamente saltam do papel, é um achado. São duas páginas, em frente e verso, de muitos sabores e informações visuais para comunicador nenhum botar defeito. Ao me despedir de Marcelo Novaes, fico sabendo que ele tem uma filha – sua paixão – que é “uma princesinha de 12 anos”. Comento que tenho um filho adolescente. Ao que ele retruca: “Então ele é um inimigo em potencial!” Grande Marcelo. Saúde e até a próxima.


Cachambeer – Rua Cachambi, 475-A, Cachambi (2501-8465)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O legionário e a Cristalina

DE BAR EM BAR - Academia da Cachaça


Fui outro dia com o Dado Villa-Lobos ao bar: pedi-lhe que indicasse um. Ele, sem pestanejar, escolheu a Academia da Cachaça, ali no Leblon, naquela rua que enfileira botecos em sequência. E a Academia é, com efeito, o decano da turma: existe desde 1985. Enquanto dou uma folheada no cardápio e penso num chope, Dado cumprimenta os garçons, puxa seu cartão de fidelidade do bar e faz logo o pedido: uma porção de linguiça, caldinho de feijão e uma cachacinha Cristalina. Já que ele foi infinitamente mais rápido no gatilho, peço igual.

Sempre achei ser o Dado brasiliense (pois a Legião Urbana veio da capital federal). Com tal pedido, imaginei-o um autêntico mineirinho. Mas enganei-me redondamente. O homem é muito chique, caro leitor. Nasceu em Bruxelas (seu pai é diplomata e por isso já viajou bastante pelo mundo). Mas, na verdade, ele é carioca há 24 anos. Conversamos sobre diversas coisas. Dado Villa-Lobos é inteligente e espirituoso, fomos de Dostoiévski a nosso amigo em comum Fausto Fawcett (que parou de beber), passando pelo futebol. Do fenomenal autor russo, ele citou O idiota – que é como muitas vezes me sinto ao lidar com meu filho adolescente e é o livro que estou lendo no momento.

Pedimos mais uma cachacinha (agora a Asa Branca), acompanhada de um chope. O cardápio da Academia, claro, é pródigo nas marcas de aguardente. Aqui tem: Lua Cheia, Magnífica, Marimbondo, Salinas, Souza Leão, Tambaba, Triumpho, Germana. E também: Coqueiro Azulada, Milagre de Minas, Musa, Recordações (como assim?). E muitas outras. O cardápio, porém, não é só interessante no quesito água que passarinho não bebe (e suas derivações, como caipirinhas, capeta e que tais). Além dos tradicionais petiscos e algumas criações curiosas (como escondidinho light), há pratos famosos como o vatapá carioquinha, o filé da casa e a feijoada.

Dado não pode ficar mais muito tempo, pois precisa voltar para seu estúdio, que tem funcionado a pleno vapor. Hoje recebe músicos até da Europa e do Japão, que querem gravar em alto nível, mas sem gastar em euros ou ienes. Pergunto-lhe quando vai gravar um segundo disco solo e aproveito para elogiá-lo pelo primeiro, que além de boas composições tem uma ótima versão de Luz e mistério, do Beto Guedes. Dado me diz que no primeiro botou todas as suas referências e parceiros (Fausto, Paralamas, Humberto Effe, Paula Toller), como que a pautar a sua trajetória. Para um segundo disco, já tem uma ideia, mas não quer fazer a qualquer custo – ele sabe que o mercado atualmente está muito complicado e em transição para um outro modelo.

Antes de se despedir, Dado Villa-Lobos acena com uma possível parceria musical, o que para mim será uma honra. Ele sai e fico a pensar que o eterno guitarrista da Legião Urbana é um cara de bem com a vida. Ouso dizer que uma das suas raras preocupações é o seu Fluminense. Mas, como meu time também não vai lá muito bem das pernas, essa já outra história. Com a conta, ainda peço uma empadinha de costela. Sensacional. Saúde e até a próxima.

Academia da Cachaça – Rua Conde Bernardotte, 26, Leblon (2529-2680)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Aquele flagra no boteco-pub

DE BAR EM BAR - Mud Bug


O Mud Bug é um boteco-pub que existe desde 2003 (há um novo na rua Rodolfo Dantas), num trecho relativamente calmo da Paula Freitas, apesar da proximidade da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Foi possível pegar uma mesa de cara para o gol, ou melhor, de cara para a rua. De cara para o gol, aliás, é de qualquer lugar da casa. São várias TVs passando ininterruptamente o futebol. Graças ao bom Deus (e ao Sportv e ao ESPN), aqui você, irmão amante do futebol, estará bem servido (ainda que torcer em público, hoje em dia, possa até – neuroticamente – dar em tiro. Mas, de qualquer forma, o jogo que passa agora é um jogo sem times cariocas pela Taça Libertadores).

Nas paredes cobertas de madeira há alguns pôsteres de cerveja, e ainda mais: quadros – quadros de palhaço, de um casal estilizado na mesa do bar, de um lagarto enorme – e reproduções de instrumentos musicais. Tudo isso dá o tom do lugar. Sento-me na parte interna, quase no limite com a calçada, e fico encostado numa pilastra. As mesas são redondas de madeira e os bancos revestidos de couro. Não há muito espaço, mas é tudo bem aproveitado, as mesas são coladas. Na decoração, há também um gravador de rolo (a tecnologia pode avançar rumo ao infinito, mas nada é tão belo quanto um gravador de rolo). Um som alto ecoa.

No cardápio, há uma variação bem razoável de cervejas long neck (Stella Artois, Brahma Extra, Devassa, Colorado, Guiness e outras). Mas decido ficar no chope da Brahma. O primeiro veio meio quente, apesar da descontração e simpatia do garçom. Quando peço o segundo, quem vem me atender agora é uma garçonete, uma mulata de óculos e peitos proeminentes. Pergunto-lhe se pode sair mais gelado. Ela diz que sim, que agora trocaram o barril. Sei. Não entendi bem, mas realmente do segundo em diante ficou melhor. Olho em volta; ao meu lado esquerdo, dois gringos, pai e filho, bebem chope escuro e comem asas de frango. À direita, dois casais de copacabanenses de praia bebem chope na jarra, que vem num balde com gelo (está aí uma coisa estranha, chope na jarra.).

Faltou falar sobre o jovem casal nos fundos. Quando cheguei, a menina estava sozinha. Depois de um tempo, ao voltar-lhe novamente os olhos, vejo-a acompanhada de um gringo no maior dos amassos. Bebiam uma cerveja atrás da outra, variando as marcas. Peço o hambúrguer da casa, muito bom, com queijo, alface, tomate, champignon e fritas. Eis que começa a chover violentamente. Os casais copacabanenses pedem outra jarra. De repente, ouço alguém me chamar. Era o gringo, que não era nada gringo. É o sobrinho de um amigo meu, irreconhecível. Pede-me para não botar seu nome na coluna “de jeito nenhum!”. E volta para os seus beijos e abraços proibidões. Já que vou ter que esperar a chuva passar, acabo, quem diria, pedindo também uma jarra à mulata de óculos e dos peitos, bem, você já sabe. Viva a mulata-tá-tá. Saúde e até a próxima.

PS: Está em andamento o segundo Comida di Buteco. Na disputa, 31 bares cujas criações são para se comer em êxtase e dar pleno orgulho ao carioca. Não perca.

Mud Bug – Rua Paula Freitas, 55-A, Copacabana (2235-6847)