sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Aquela tarde soteropolitana

DE BAR EM BAR - Toca do Siri


Recentemente fui ao bar cujo “dono” é o cão Miojo, no Leme. Desta vez, fui à outra ponta de Copacabana, enfiar-me na Toca do Siri. Trata-se de um bar anexo ao Restaurante Siri Mole e Cia, no finzinho do bairro (“anexo” em termos, entre eles existe uma portaria de prédio: as pessoas praticamente moram no bar). A Toca do Siri tem, portanto, a grande vantagem de oferecer iguarias de um bom restaurante com algum clima de botequim – e a preços que não chegam a ser proibitivos.

A decoração é despojada ao extremo. Na varanda, são 21 lugares distribuídos em pequenas mesas redondas com tampo de alumínio, mesmo material das cadeiras (nada confortáveis). Mas pouco importa. Aqui você pode desfrutar de belas porções de acarajé, abará, casquinha de siri, biju, tapioca, polvo, caldinhos de peixe com camarão, siri ou sururu. Para abrir os trabalhos, peço uma porção de pastéis de camarão e uma Bohemia. A cerveja vem geladíssima e os pastéis, fumegantes, sequinhos e saborosos.

Sento-me a uma mesa colada no cercado que separa o bar da rua. O movimento de ônibus neste pálido trecho de Copa é enorme, mas o de transeuntes é meio fraco. Na Toca, a esta altura, há outras duas mesas ocupadas: ao meu lado uma mesa com três senhores, e atrás de mim, um jovem casal. Trouxe comigo o roteiro de um filme para o qual fui convidado a fazer a música-tema com o parceiro Frejat. Minha intenção é ler o texto, enquanto passo, digamos, uma tarde baiana no bar.

- Não gostei de Salvador! Aquela malemolência toda! Aquilo me irrita um pouco... – dispara a moça do casal. – Veja bem: nada contra os baianos; adoro Caetano, Gil, Bethânia, Carlinhos Brown... até a dona Canô, que eu acho linda! Mas tenha paciência!

Opa. Um olho no peixe, outro no gato, como se diz. Peço ao garçom para dar mais uma conferida no cardápio enxuto da casa. Além dos petiscos, a Toca oferece pratos como arrumadinho, bobó, vatapá e risoto de frutos do mar ou camarão. Dilema cruel... Escolho um acarajé da Toca. A porção vem com dois bolinhos, mais um recheio dos deuses à parte, para ser preenchido – em êxtase – pelo próprio freguês.

- Você acha que vale a pena fazer faculdade de cinema, tia?

- A minha experiência foi ótima. O problema é que não adianta só ter bons professores se o nível dos alunos for muito fraco. Mas é sempre legal estudar e ainda tem os contatos que você pode fazer.

Viro-me para ver o que pensei que fossem namorados. Para a minha surpresa é a amiga (e ex-cunhada) Malu Schroeder com um sobrinho. Para uma surpresa maior ainda, ela acaba de fazer a assistência de direção de Papai doidão, uma “comédia psicodélica”, que é exatamente o mesmo filme para o qual farei a música. O sobrinho se despede e Malu senta-se comigo para tomarmos um caldinho de peixe com camarão. Conta-me animada sobre o filme, feito com baixíssimo orçamento.

- Acho que vai dar o que falar – opina.

O caldinho veio excelente, como todo o resto – para confirmar que o pior do bar é, sem dúvida, a vista. Mas está tudo bem, meu rei. Saúde e até a próxima.

Toca do Siri – Rua Raul Pompéia, 6, Copacabana (2267-0894)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

É impossível tomar um só

DE BAR EM BAR - Bar Brasil


Parafraseando mestre Fernando Sabino, dei continuidade à eterna busca de errar à toa pelos bares certos, indo numa sexta-feira dessas a um local que não dá margem à dúvida. É daquele tipo de estabelecimento que se você, amigo leitor, fechar os olhos ao entrar e imaginar que está em 1997, tudo bem; se pensar 1986, ok, também. No caso, o bar tem mais de um século e passou apenas por quatro reformas. Ele é o mesmo desde que eu o conheço, e posso garantir que não foi ontem. Estou falando do célebre Bar Brasil, na Lapa.

Chego num horário em que ainda predominam as turmas de trabalho e os mais experientes (vejo dois colegas rindo muito, ao meu lado; noutra mesa, na diagonal, um senhor de suspensórios com pinta de velho lobo da arquitetura traça um kassler, acompanhado por um amigo; noutra, um casal cinqüentão namora e, ainda, à minha frente, observando tudo e a todos, há um velhinho empertigado de camisa social e bermuda, solitário). Por volta dez da noite começa a surgir a galera mais jovem, que veio agitar na Lapa fervilhante e passa antes aqui para tomar um chope, já que a casa fecha à meia-noite, sem choro nem vela.

O chope do Bar Brasil merece um parágrafo à parte. Porém o que dizer, quando sobre ele quase tudo já foi dito? O que sei é que é impossível tomar um só. Vem na temperatura e pressão ideais. Um primeiro gole é um bálsamo para as pupilas gustativas e logo me faz lembrar de Tom Jobim e sua expressão “o chope dourado da felicidade”. Para beliscar, peço um ótimo patê de fígado de vitela com pão francês.

Pelo salão em formato de bumerangue, de repente ecoa um espirro. Algum gaiato não perde tempo: “Olha a gripe suína...” As pessoas riem amarelo. O temor generalizado naturalmente já se evidencia nos bares. Por exemplo, um rapaz que chega numa mesa perto da porta, com quatro mulheres e um homem, abraça-as de mão fechada e não aperta a mão do outro homem, dá-lhe o braço; feito isso, vai ao banheiro lavar as mãos – que também foi a primeira coisa que fiz, hipocondríaco que sou, quando aqui cheguei. É ou não é o fim da picada?

Mas vamos falar do bar, que ele merece. Aqui você pode comer sem susto porções de bife à milanesa (por mais estranho que isso possa parecer), salsichas variadas, rosbife, kassler-rippen, ossobuco de vitela. Ou os pratos de kassler defumado com vários acompanhamentos, dobradinha, língua ao molho de páprica, salsichão suíço com chucrute. Peço mais um chope e o joelho de porco (eisben) frito e crocante, cortado para petisco. Bem... não penso mais nos problemas.

Antes de finalizar, gostaria de me referir ao casal de cinquentões em pleno namoro. Passo a observá-los, enquanto degusto a lentilha amiga para rebater a saideira. A senhora loura faz o tipo que malha, bracinhos fortes e ares de menina; ele é um senhor moreno, meio gordinho. Ela fala sem parar. Ele procura demonstrar interesse, mas por um instante desvia o olhar para a bandeja do garçom e a acompanha, ávido, até o destino final. Como bom gordinho. Ela nem notou que ele não a ouvia mais. Saúde e até a próxima.

Bar Brasil – Rua Mem de Sá, 90, Lapa (2509-5943)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Não tem Ted Boy, mas vale

DE BAR EM BAR - Xodó da Moça


Foi com muita alegria que, numa tarde modorrenta de segunda-feira, fui ao Leme encontrar um velho amigo. Combinamos de tomar uma cerveja e comer uma rabada no bar do Ted Boy Marino. Ted foi um ídolo para a molecada de algumas (muitas) décadas passadas. Ele era o mocinho do popular Telecatch Montilla, o louro com pinta de galã que ganhava todas as lutas (tinha também o Verdugo, a Múmia, o Fantomas...). E o meu amigo é o músico Luciano Maurício de Oliveira, o Luce.

Ousaria dizer, caro leitor, que Luce é um guitarrista incomum. Um dia ele poderá contar para seu filho Lui, de seis anos, e depois para os netos, que tocou, em momentos fundamentais, com três ícones do rock brasileiro – ou melhor, da música brasileira: Cazuza, Cássia Eller e Lobão. Não é pouca coisa. Como se não bastasse, Luce ainda tem um vozeirão black.

Depois dos cumprimentos emocionados, rumamos para o bar – e a conversa foi totalmente outra. Primeiro, erramos o botequim e fomos no do lado. Depois, já no pretenso local correto, segunda não era o dia de rabada. E, por fim, o tal bar, Xodó da Moça, não é mais do Ted Boy Marino, que o vendeu já faz um tempo. Que beleza... Sendo assim, o estabelecimento passaria a ser um pé-sujo normal. Bom, já que estávamos lá, melhor tomar uma cerveja. Mas qual não foi a minha surpresa ao constatar que tinha, além das marcas de praxe, Serra Malte e Therezópolis. Já ganhou ponto o Xodó da Moça.

Luce, que é da área, mas que, como se viu, não está atualizado quanto às atividades de compra e venda de botequins, me conta que nos finais de semana, o bar enche. Agora está quase vazio. A dona do Xodó da Moça coloca para nós umas cadeiras de plástico na calçada em frente ao balcão. Na impossibilidade de nos atracarmos com a rabada, perguntamos o que poderíamos comer. Angu à baiana? Não. Queijo prato? Não. Moela? Também não. Apesar de todas estas opções estarem apregoadas em cartazes espalhados pela casa, a dona nos explica que “quase tudo acabou”, inclusive o frango com quiabo e o prato do dia. As compras só serão feitas amanhã. Mas poderia sair um sanduíche de carne assada. Decidimos deixar para depois.

- Reparei que você deu uma envelhecida, hein, rapaz... – disse o meu querido amigo desde os tempos de Colégio Andrews.

Pois é. Intimidade dá nisso. Luce me conta que atualmente, além de estar tocando na banda de Arnaldo Brandão, prepara um show solo, chamado Gala Rara Guanabara. Já ouvi parte do trabalho no myspace e tem tudo para dar certo. Pedimos a carne assada aperitivo. Veio assim, assim. Mas considero que ter vindo ao Xodó foi uma experiência transcendente. Por dois motivos: também estava lá o Nelson Rodrigues Filho, com sua longa barba de profeta. Tive vontade de lhe dizer que sou fã incondicional de seu pai, mas fiquei tímido. O segundo: em frente ao balcão, reina deitado um cachorro vira-lata, o Miojo. No melhor lugar, há um colchãozinho, uma tigela com água e outra para comida. Saí de casa para conhecer o boteco do Ted Boy e conheci o bar do Miojo. Saúde e até a próxima.

Xodó da Moça – Rua Gustavo Sampaio 410, Leme (2295-0674)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Onde estão os cariocas?

DE BAR EM BAR - Devassa


- Levando em conta que você é o azarado da turma, boa coisa não é! – disse o barbudo em tom de gozação.

- Mas eu não fiz nada!... – berrou o amigo.

Logo pude perceber, na primeira frase, que o tal amigo estava numa água daquelas. Era uma mesa com três homens e uma mulher. Embora fosse ainda cedo, já estavam no final da jornada etílica. Pedem a conta. São jovens paulistas, talvez ricos, de férias. Vem o garçom com a nota e todos sofrem:

- Duzentos e tantos contos!

Passa na rua um ambulante que vende camisas de futebol. O amigo azarado fala para o vendedor em linguagem enrolada: “Adrfiano... Adrwfjiano...”. O homem não entende (ainda há um toldo de plástico entre os dois), então ele corre para dar a volta e entra no bar, na dúvida, já com a camisa do Flamengo de prontidão. O engraçadinho se adianta: “Não quero comprar nada não, meu. Sou Curíntia...”. E cai na gargalhada com os amigos. Lamentável. Regra de ouro do bar: se quiser beber, beba; mas não encha o saco de ninguém. Mudo-me de lugar, já que eles decidiram recomeçar, e a coluna, enfim, ganha outros ares.

Fui para a varanda que dá para a Prudente de Morais. Estamos na esquina desta com a Farme de Amoedo, no Bar Devassa. Sexta-feira à tarde, chove e faz frio. Um dia ideal para beber um chope mais encorpado. Peço ao garçom uma Devassa Índia (índia pale ale, coloração escura, de teor alcoólico 6%). Excelente. Dá logo uma onda. Para acompanhar, peço uma porção de croquetes de carne apimentados. Na mesa à minha frente, agora está um grupo de cinco meninas e um rapaz gordinho de barbicha e piercing. Uma delas é alemã e se esforça para falar português.

A esta altura, umas seis da tarde, há ocupação apenas no entorno do bar, com os fregueses, como eu, encostados na varanda de vista preciosa. A parte interna está vazia – o que torna o salão, imponente e iluminado, muito bonito de se ver (passo os olhos por suas paredes de cor mostarda, mesas de madeira, piso em branco e preto formando mosaicos, um grande pôster de fábrica de cerveja e, em destaque, um balcão espelhado atrás). É, sem dúvida, um lugar que tem seus trunfos.

Mas o trunfo maior aqui é realmente o chope, criação da própria casa. A bebida vem nas espécimes loura, ruiva, negra, índia e mulata (que mistura loura, ruiva e negra). Há também as cervejas, com uma linha de produção que abrange diversos tipos. Hoje decido ficar apenas no chope. Vario entre as índias e uma negra (nada mal, hein.) Peço o cardápio para escolher outro petisco. Há opções como anéis de lula, queijo coalho, kassler, escondidinhos, camarões. Peço o creme de abóbora e gorgonzola. Vem absolutamente sensacional.

Na mesa das cinco meninas e do barbicha, o papo já começa a morrer. A mais bonita dá um bocejo. Daqui a pouco vão embora a fim de dar uma descansada para a night. Excetuando-se a gringa, são mineiros também de férias no Rio de Janeiro. Aliás, na mesa atrás de mim e em volta, noto a presença de mais turistas. Está certo que faz um dia pouco carioca, mas cadê os nativos? Saúde e até a próxima.

Devassa Bar – Rua Prudente de Moraes, 416, Ipanema (2522-0627)