segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Meu caloroso inimigo

A SOMBRA DO FAQUIR 11



Assistindo à tevê, chorei copiosamente. Numa enxurrada de más notícias desabei com a história do sujeito humilde que perdeu, além da casa, a mãe, a mulher e a filha. Mas, em vez de desabar como eu, ele preferiu, com o seu conhecimento da região, ajudar os bombeiros e se transformou numa peça utilíssima nas tentativas de resgate. Pois é com a violência de um milhão de touros selvagens entrando sem pedir licença em sua casa que a tragédia anunciada das enchentes de todo verão não atinge mais só aos pobres. Numa hora dessas em que tanta gente perdeu todos os bens materiais, a família e a própria vida por causa das chuvas, sinto-me até constrangido em dizer que meu vilão particular nesses dias foi justamente o oposto.

Mas (deixando-o para depois) talvez seja melhor pensar, ainda em relação à tragédia, que o brasileiro é antes de tudo solidário. Temos, como povo, algumas características perversas, como o tal jeitinho levado ao limiar da canalhice, só que também somos bondosos e sentimentais: se botar um bom dramalhão na tela, seja novela das oito ou a emoção trágica da vida real, as pessoas se emocionam e mergulham de cabeça na causa. As muitas doações e a participação dos voluntários têm sido a prova disso. E, além do mais, como não se entristecer com o drama de milhares de seres humanos que estão muito perto de você e perdem tudo em questão de minutos?

Por isso é muito bonito ver um menino de dez anos colaborando nas áreas de abrigo. Senhoras participando do recebimento das doações, passando aos outros sacos de feijão ou farinha no mutirão da boa vontade. Sem dúvida nenhuma. Por outro lado, me pergunto se não era para essas operações estarem sendo realizadas fundamentalmente e desde o início pelo poder público, leiam-se polícias civil e militar, exército, aeronáutica, o que for, ou até mesmo instituições públicas de assistência social, já que se trata, assim como foi considerado no caso da guerra civil carioca, de uma questão de emergência radical.

Quem perdeu tudo precisa ao menos beber água e, com todo o respeito e admiração aos que enviaram água mineral aos necessitados, quem tem que providenciar esse mínimo alento aos desabrigados é o governo. O povo ajudar é ótimo, eu também estou nessa, mas por que os governos federal, estaduais e municipais nunca se previnem contra o que se sabe que virá? Porque não dá voto? E mais: por que não houve ao menos um aviso taxativo às populações de que se não evacuassem certos locais haveria morte em série? Não é possível que, por mais que a natureza esteja manifestando agora toda sua fúria contra os maus tratos, certos eventos não possam ser minimamente detectados, principalmente nos casos em que se nota a continuada repetição dos fenômenos.

Um amigo que mora em Teresópolis me conta, entre triste e revoltado, da precariedade da situação da cidade e da atitude da prefeitura que teria bloqueado a ação da Cruz Vermelha e de organizações da sociedade civil, fechando e impedindo o acesso às comunidades. Para tornar o trabalho mais profissional? Quem dera. Desconfia-se de que com a intenção de colher os méritos (e a grana) de posar de herói e salvador da pátria. Chega a ser inacreditável. Por mais inevitável que fosse o desastre natural fica a nítida impressão de que ele poderia ter sido menor e muitas vidas poderiam ter sido poupadas se alguns políticos tivessem mais compostura. E fossem menos inimigos do povo.

Hoje fico sabendo que saiu o sol em Friburgo e isto pode colaborar um pouco com o trabalho de resgate e reconstrução. Que a chuva, se não vai parar, ao menos dê uma trégua. E, quanto ao sol, ele lá e eu cá. Depois de passar uns dez dias de férias na Região dos Lagos sem maiores problemas, resolvi dar um mergulho no Arpoador. Como o tempo estava bastante nublado, mais para chuva, passei um pouco de protetor solar apenas nas tatuagens. Fiquei na praia não mais do que uma hora. Foi o tempo suficiente para ter queimaduras de primeiro grau. Minhas costas e ombros ficaram da cor de uma bela porção de camarão ao alho e óleo. O incômodo foi tanto que cheguei a baixar duas vezes no Pronto Socorro sábado de madrugada. Não conseguia dormir, com tanta coceira e ardência nas áreas afetadas. Mas agora está tudo bem. A próxima vez que for à praia passo protetor até se estiver chovendo. E chuva, por favor, chega de mágoa – caia mais devagar.