quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Coisa de Loco

A SOMBRA DO FAQUIR 12



Quando Loco Abreu veio em 2010 para o Botafogo, contratado como grande estrela, sabia apenas por alto de quem se tratava. A primeira informação mais ou menos fidedigna que recebi a seu respeito veio de meu amigo argentino Federico enquanto tomávamos um chope e víamos imagens pela tevê da chegada do jogador uruguaio ao Rio. Abreu jogara em seu River Plate. “Loco é ótimo jogador, Mauro. Tem porte, cabeceia bem, faz gol. Mas não vai ficar muito tempo”, decretou ele. Não apenas em relação a Maradona ser melhor do que Pelé, meu querido amigo portenho também estava errado nessa outra questão de permanência. Loco Abreu virou um ídolo alvinegro inquestionável e por mim certamente se aposentaria por aqui.

De fato, Washington Sebastián Abreu Gallo, que é um dos maiores artilheiros da seleção uruguaia (mesmo não sendo mais titular), fez mais de 300 gols na carreira e jogou até hoje em 17 clubes em sete países (além do Brasil e do Uruguai, esteve na Argentina, México, Espanha, Grécia e até Israel), é o que se poderia chamar de atleta globalizado. Tanto que após um recente pequeno entrevero com o técnico Joel Santana, devidamente insuflado por jornalistas, chegou a publicar em seu site que se estivesse causando problemas seria melhor “mudar de ares”. Mas o caso foi abafado, com demonstrações públicas de boa vontade e pacificação de ambas as partes. Ainda bem.

El Loco, que tem esse apelido desde as categorias de base do Nacional do Uruguai pelas brincadeiras que fazia e se tornou, segundo o próprio, um “nome artístico”, não é um craque, um fora de série. Mas mesmo assim ele é, sem dúvida, um jogador diferente. Muito alto (1,93 m), excelente no jogo aéreo e de boa técnica com a bola no pé esquerdo, Abreu se notabiliza pela visão de jogo. Costuma dar bons passes de primeira e demonstra grande frieza na hora de arrematar para o gol. Exatamente como fez ao bater o célebre pênalti na Copa de 2010 contra Gana, o último na disputa de penalidades máximas. Ou contra o Flamengo na decisão da Taça Rio (e do Campeonato Carioca) do mesmo ano. Comprovando que existe golaço também de pênalti ao cobrar nas duas ocasiões com a intrépida cavadinha, quando o jogador dá um toque sutil embaixo da bola, fazendo que ela suba e caia no centro do gol, uma forma de driblar o goleiro com o corpo e a esperteza.

Além das qualidades de artilheiro, outra característica marcante de Loco Abreu é a personalidade forte. Inteligente, hábil com as palavras, ele demonstra sinceridade e consciência em suas entrevistas. Por saber analisar com lucidez o que se passa em campo (o que não costuma ocorrer com os protagonistas do espetáculo), quando o time vai mal ele fala. Quando o outro time merece a vitória ele também fala. E assim passa longe do perfil caricato do jogador médio ao desfiar a mesma ladainha de frases feitas para responder às mesmas perguntas de sempre. Com o Loco não tem hipocrisia. Por tudo isso, caiu nas graças da torcida do Fogão, tornando-se rapidamente um ídolo.

A propósito, para mim Loco Abreu é um personagem ainda maior do que o Túlio Maravilha, o último dos ídolos alvinegros. Túlio, ainda em questionável atividade, foi um grande artilheiro, jogador fundamental para o clube e identificado com a torcida. Embora deva reconhecer que sua participação na história botafoguense é bem mais importante – pelo menos até agora – do que a de Abreu, Túlio era, com todo o respeito, um falastrão, quase um bobo da corte. Loco Abreu por sua vez traz de volta a mística dos malditos, dos diferentes, dos ousados. Isto sempre fez parte do Botafogo, de Heleno de Freitas a Mané Garrincha, de Gérson (num certo sentido) e Paulo César Caju a Afonsinho e Marinho Chagas.

Mas como a contribuição de Abreu ao clube ainda está em andamento e ele traz em si a chama da imprevisibilidade, tanto podendo sair intempestivamente ao longo ou ao final da atual temporada quanto se aposentar por aqui (o ideal, óbvio), é melhor deixar de lado a perspectiva histórica. Porque hoje tudo é possível quando a bola chega até ele – inclusive nada. (E ainda assim ele será aplaudido.) Como disse o poetinha alvinegro, que seja infinito enquanto dure. Por essas e outras, hoje de manhã saí de casa e fui à loja do Botafogo, em General Severiano. Lá comprei a minha camisa da celeste alvinegra, um misto de camisa da seleção uruguaia com a do Botafogo (representada pelo tradicional escudo da estrela solitária), com o número 13 às costas e o nome Loco Abreu estampado acima. Coisa de torcedor apaixonado. Coisa de louco.