quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Olhos (e boca) de Facebook, ouvidos da Igreja Universal

A SOMBRA DO FAQUIR - 2

A propaganda geralmente consolida e traduz tendências existentes na sociedade. Não costuma criar novas bossas, mas, ao contrário, capta o que está rolando – às vezes, dependendo da sensibilidade do publicitário, até mesmo apresenta como novidade o que já é pretérito.

Dois comerciais recentes me chamaram muito a atenção. No primeiro, uma família se prepara para sair de férias. Cheia de bugigangas, entra no carro, finge que vai zarpar e volta para a garagem. Na cena seguinte, vemos a família toda em frente à tevê, curtindo a mil. Férias ideais: na segurança e no conforto do lar, controle remoto na mão e dezenas de canais do mundo inteiro. O fim da picada.

No outro, um comercial de telefonia, o pai e o filho adolescente conversam, este, como aborrescente típico, desqualifica o esforçado provedor, que exulta ao conseguir checar seus e-mails pelo celular, transformando-o, um homem de seus 40 e poucos anos, numa peça de museu ao lhe informar que e-mail já era, o negócio agora são as redes sociais. (No final o pai dá o troco, quando o filho mostra a foto da namorada no celular: “namorar... que coisa mais careta!” – mas isso não importa).

Conjugados, os dois comerciais parecem nos dizer: experiência real de vida é hoje algo pouco importante; fique numa boa que é possível conhecer o mundo inteiro e falar com todas as pessoas possíveis sem sair do seu canto. Na mais completa solidão compartilhada.

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Depois de relutar bastante, de ignorar solenemente Orkut, MSN e Twitter, entrei há pouco para o Facebook. Alguns amigos e minha mulher me convenceram de que este seria outra coisa, mais adaptável ao meu temperamento esquizóide, afeito à reclusão, à leitura e ao silêncio (cada vez mais) e simultânea e paradoxalmente (para alguns) ainda fascinado pelas ondas mundanas que quebram na praia da inquietude. Lá no FB, segundo eles, poderia postar meus textos, discutir idéias com pessoas afins e ser feliz.

Pois bem. Em um mês e meio de Facebook, constato o óbvio: as possibilidades de se atingir o maior número de pessoas são claramente maiores do que através do e-mail (o aborrescente do comercial de alguma forma estava certo). Mas por outro lado observo que é uma tendência muito grande usar o Facebook principalmente para uma comunicação mais direta, rasteira e cotidiana. Por exemplo: fulano diz: “Amarelo!” ou “Que frio!” – e imediatamente pipocam comentários a respeito do que talvez só interessasse aos envolvidos. A questão é que pelo lado positivo se pode comunicar com muito mais gente ao mesmo tempo do que o tempo de cada um permite se a comunicação fosse feita individualmente. É muito fácil, por isso, saber quem está de ressaca ou acordou apaixonado. A exposição espontânea é espantosa.

Percebo ainda que a sociabilidade virtual é bem relativa. Tirando as exceções fortuitas dos famosos ou muito populares, só tem olhos (e boca) para você praticamente quem já é conhecido. Agora, o maior teste é para a ansiedade e a insegurança de checar a todo momento se alguém curtiu ou fez algum comentário a algo postado. Isso é terrível. Sem falar nos que nos humilham com milhares de amigos. Eu, por enquanto, estou nos meros 150. Mas vou continuar insistindo, lentamente. Alguém aí está me vendo?

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Um amigo me conta revoltado que se instalou na loja embaixo de seu prédio uma Igreja Universal. Ele mora no segundo andar. Ao ouvir a barulheira dos infernos, vindo dos cânticos e dos Glória a Deus de praxe, foi reclamar com o porteiro. Ao que este comentou: “Pior é que eles pensam que Deus é surdo.”

Um poeta, o porteiro.