sexta-feira, 27 de março de 2009

Brinde ao amor entre amigos

DE BAR EM BAR - Pavão Azul


O bar é pequenino (do balcão pode-se ver a cozinha, alguns palmos à frente, funcionando sem trégua), mas seu coração é enorme, quase tão vasto quanto o verso de Drummond. Chego, naquele horário de sempre, pelo fim de tarde. Por incrível que pareça – estamos num dia de semana – o bar já está cheio. Sento-me numa mesinha do lado de fora, diante da delegacia, a 12. DP. Qualquer coisa, eu já tenho onde passar a noite. Mas no bar Pavão Azul é só alegria.

Chego morto de fome. Aqui abro parênteses: não pude almoçar por conta de uma entrevista que atrasou, para a TV Brasil (antiga TVE), na qual pediram para que eu falasse sobre o amor. Passei a noite pensando o que dizer e saí com essa: “O amor verdadeiro é hoje produto em baixa no mercado das almas”. Bem, peço logo um pastel de camarão para acompanhar a cerveja gelada. Vejo à minha volta as mesas ocupadas e chama-me a atenção uma mesa com dois amigos em estado de euforia.

- Cara, há quanto tempo... Dá um abraço aqui de novo!

- Você está igualzinho.

- Já eu não posso dizer o mesmo. Tá totalmente grisalho, hein.

- Também, eu sou mais velho.

- Não é tanto assim. Mas, rapaz, que prazer! Ainda bem que a gente marcou logo esse encontro.

- Pois é, e eu achei que a gente ia ficar na troca de e-mails, adiando, adiando...

- Como é que está sua mulher?

- Tá ótima. A essa hora, no trabalho ou saindo com o cachorro. E você tá casado ou solteiro?

- Solteirão de novo.

- Era o segundo ou terceiro?

- Terceiro. Acredite se quiser.

- E quantos filhos?

- Um só, do primeiro. Graças a Deus! Imagina ter que negociar visita de filho com várias ex-mulheres?

- Vamos brindar a esse encontro. Mermão, sempre me lembro de você! Você não tem idéia como foi importante pra mim nossa convivência naquela época de estagiário. Aprender a beber, ir a botequim vagabundo, e mais do que tudo a máxima: com maluco de rua não se pode olhar no olho senão o cara gruda.

- É, essa aí eu aprendi aqui em Copa. E serve também pra bebuns chatos e malas em geral. Tim tim!

Aproveito para pedir mais uma cerveja e as famosas pataniscas (uma espécie de bolinho de bacalhau, sem o batatalhau). Vêm sequinhas, saborosas, como também estava o pastel de camarão. Agora já dá até para pensar um pouco. Penso, então, observando os dois homens agora brindando com uma cachacinha, no amor entre amigos. Tão imprescindível, ou até mais, que o amor romântico, porque, salvo desvios de rota, é sem cobranças excessivas e sem exclusividade. E é em parte como o amor paternal – pra vida toda. Admiro a relação carinhosa de amigos que, independentemente de terem se encontrado pela última vez no dia anterior ou há seis anos, são seguros da amizade verdadeira e de que há inteira reciprocidade no afeto do outro.

Pois há bares que também nos despertam este sentimento de serem benquistos e de fazer-nos sentir da mesma forma – como se estivéssemos em casa. O bar Pavão Azul é assim. Antes da conta, ainda peço o honestíssimo risoto de camarão pra viagem. E viva a amizade. Saúde e até a próxima.

Pavão Azul – Rua Hilário de Gouveia, 71 A e B, Copacabana (2236-2381)

sexta-feira, 20 de março de 2009

A alma ainda é a do Antonio's

DE BAR EM BAR - Rex


É um bom nome: Rex. E dá vontade de continuar dizendo: “Rex... Rex!... Aqui, Rex!”. Bem, fui ao Bar Rex, cujo símbolo é o célebre cachorro criado pelo Angelo de Aquino, e que fica quase na esquina das ruas Vinícius de Moraes (ex-Montenegro) e Barão da Torre, em frente à banca de jornal. Por lá, passam algumas das mais belas cariocas, deusas em trânsito, relaxadamente, indo para a praia, voltando, fazendo qualquer coisa. E o ipanemense em geral. Por isso, o ponto do bar é magnífico.

Mas, infelizmente, não posso dizer que tudo são flores. O bar antes era o “Antônio´s”, Antônio de um dos donos do Belmonte. Parece-me que o gerente ou sócio o comprou e virou Rex. Só que, pelo visto, o bar continuou, mesmo com nome diverso, um filhote do Belmonte. Na decoração, nos espelhos, nos ventiladores. Para o bem e para o mal, lembra muito a rede de bares que começou na praia do Flamengo.

Sento-me perto da rua e reparo nas poucas mesas ocupadas. Chamam-me a atenção, na minha diagonal, dois amigos. Eles conversam, fumam e tomam chope. Um deles é o típico malandro de praia, todo tatuado, cara de brabo, um James Dean da Montenegro entrado nos anos, mas bem. Continua queimadão de sol. O outro, mais acabado, um pouco gordinho, quase parece comigo. Na mesa colada à minha há um senhor moreno, de óculos, bebendo e lendo uma apostila.

Peço uma caldereta. O chope vem no ponto. Mas James e o amigo falam baixo e não é possível compreender nada. O que deu para ver é que surgiam na mesa deles, o tempo todo, figuras de passagem. Como a moça linda e a filha pequena, ou o negão simpatia pura, ou a mulher loura de meia idade com um cachorrinho na cesta da bicicleta. Nisso, eis que a mesa ao meu lado ganha outro colorido. Como um furacão, entra no bar uma velha senhora e senta-se na mesa do professor universitário (ou coisa parecida).

- Você viu o Zeca Pagodinho internado? Adoro esse rapaz. Da sua idade, hein!

- Tem que parar é de fumar. Acaba a resistência.

- Você deu aula hoje?

- Teve reunião. A trabalheira vai começar semana que vem.

De repente toca o celular. “Eu quero que você conheça meu filho. É... A gente passa de carro para te pegar... estamos aqui, no ex-Antônio´s, mas eu estou querendo ir a Copacabana comprar um presente... Olha, me ligou ontem um rapaz querendo alugar o apartamento, mas não deixou o número do telefone no recado. Um burro!”

A mãe só fala gritando. O filho é contido, calmo. Ela mora em cima do bar, brinca com o garçom, pega no braço. Ontem, bebeu muito. A música ambiente toca um rockabilly anos 50, a velha se balança, é animada à beça. Até que pedem a conta e saem.

Sinto fome ainda, mesmo depois da empada de palmito recheada com fartura. Peço um pastel de salmão, nessa onda de pastel de tudo. Não tem. Vou no popular pastel de camarão e um chope antes da conta. Há uma divergência quanto ao número de chopes tomados, e o garçom me pergunta se quero beber o cobrado a mais para acertar o valor. Sem chance. Ainda falta algo fundamental ao Rex – a sua alma. Saúde e até a próxima.

Rex – Rua Vinícius de Moraes, 146, Ipanema (2267-0710)

sexta-feira, 13 de março de 2009

Restaurante ou boteco? Ambos

DE BAR EM BAR - La Fiorentina


Certa vez fui recebido, no início de uma noite abrasadora de verão, por um simpático e eterno Ary Barroso – prenunciando o elenco estelar do estabelecimento. Vêem-se, sem muito esforço, as assinaturas, na toalha de papel da mesa, de nomes como Marília Pêra, Caetano Veloso, Braguinha, Ziraldo. Pode-se dizer que a casa sempre foi assim com as estrelas. Mas seria o La Fiorentina um restaurante ou um bar?

Acho que a Fiorentina é uma coisa e outra. O leitor pode, por exemplo, tomar vinho e jantar a dois, romanticamente, um risoto de funghi no salão, olhando para os quadros e os garranchos nas paredes de artistas famosos, como também pode pedir chope e comer camarão ao alho e óleo, na calçada, olhando para o mar de Copacabana. Fica ao seu critério. E os dois programas valem.

Sentei-me na parte externa, sob o toldo branco padronizado. As mesas são de plástico com pé de metal e cadeiras com assento imitando palhinha. Na falta ainda de público, dois garçons brincam de se zoar mutuamente. À distância, o maitre ri e apóia-se, destemido, na cabeça de um leão (assim como na entrada do bar há a estátua do compositor de “Aquarela do Brasil”, na entrada para o salão, há dois leões, em posição de guarda, um em cada lado da porta).

- Por que não reserva a escuna? Tô falando sério. Vai ser legal.

- Claro que não.. Vai ser péssimo!

O casal afinado tinha seus 50 anos. Ela comia salada verde com frutos do mar, ele bife com batata frita. Ela era animada, ele soturno. Estavam esportivos, se é que boné, camisa social, bermuda e tênis podem ser considerados assim. A senhora vestia camiseta e malha de ginástica. Os dois bebendo chope.

- Você é ótima na teoria! Mas prova que eu estou errado... aquilo vai virar um chiqueiro.

Ela se limita a tentar tirar com a unha, depois com um palito, o pedaço de alface preso entre os dentes. Ele não se incomoda. Conversam sobre trabalho e, à medida que os chopes vão se sucedendo, o tom aumenta. Será que recebem turistas? O que sei é que, subitamente, o ritmo de chegada de pessoas ao bar virou uma verdadeira loucura. E logo deixei de me interessar por aquele casal.

Duas mesas prenderam minha atenção, enquanto pedia ao garçom uma porção de camarão no vinho branco – uma delícia. A primeira mesa era comandada por uma autêntica vovó garota. Vestido preto matador, sandália de salto, a pele bronzeada. Ao lado, as netas e a namorada do filho. (Ah, as múltiplas configurações da família moderna...) Pelo vaivém, pude perceber que moram perto e são chapas dos garçons. Daria uma outra coluna.

A segunda mesa que observo reúne três mulheres. Trabalham juntas, são maduras, independentes e solteironas. Nem bonitas, nem feias, desinteressantes. Por isso mesmo, botei fé no que tinham a dizer.

- Por que você tem pena dela?

- Ela é muito solitária.

Bem, com essa, resolvi fechar a tampa. Mas, antes, pedi uma porção de mariscos, também uma maravilha – inclusive, vieram a caráter, com as respectivas cascas. Rosados, pareciam até frutos do mar de férias no Leme. Saúde e até a próxima.

La Fiorentina – Av. Atlântica, 458 A, Leme (2543-8395)

sexta-feira, 6 de março de 2009

"O lance é tipo assim, sacou?"

DE BAR EM BAR - Botecotaco


Daqui vejo o trânsito escoar lentamente, como é comum a qualquer hora do dia neste trecho de passagem. Observo também, do outro lado da rua, os muitos cartazes lambe-lambe de shows no tapume que cobre a extensa área ao lado da Casa de Saúde São José. Mas vamos ao que interessa: estou num estabelecimento que existe desde os anos 40, templo de várias tribos e de uma malandragem Zona Sul que, entre um gole e outro, joga sinuca e aposta nos cavalos (hoje apenas no jirau). Estou falando do Botecotaco, que foi reformado mais recentemente e ganhou banho de loja.

Há o primeiro salão, apresentando mesas com tampo de mármore, quatro ou cinco mesinhas redondas com bancos altos perto da entrada, um grande balcão com assentos em volta, uma TV de plasma enorme e uma jukebox – graças a Deus, desligadas neste fim de tarde. Depois há o segundo salão, vazio e escuro ainda, com cinco mesas de bilhar perfiladas em paralelo, imponentes, absolutas. Lembro-me do Maracanã, que ao apagar dos refletores nos jogos noturnos, virava, no dizer dos antigos locutores de rádio, o gigante adormecido.

Sento-me na primeira mesinha alta, perto da calçada, e peço uma cerveja. Há mais três mesas ocupadas: numa um casal, noutra dois amigos jovens e na última dois senhores da velha guarda. De cara chama a minha atenção a mesa dos amigos jovens porque um deles, de óculos, cabelo comprido, barba por fazer, calça jeans e camisa de manga comprida no calorão que está fazendo, quase grita ao celular. O amigo ao lado, de camiseta e bermuda, só faz tomar seu chope (a casa tem chope da Brahma e cerveja de garrafa). O barbudinho fica horas ao telefone falando um assunto de trabalho, pude perceber que ele é videomaker ou coisa parecida. Mas sou atraído por um certo linguajar BBB:

- Eles fazem tudo para a pessoa, tipo assim, se sentir à vontade. Tudo! Tipo assim... estávamos eu e a Mári de BH... a boite lotada, lotada! Aí, não sei como, ele parou na minha frente. A gente começou a conversar, papo vai papo vem...

- Já entendi tudo.

Achei que era um casal, mas o rapaz é só um amigo da moça, a típica menina, animada à beça, que sonha entrar no Big Brother Brasil. Bebem cerveja e ela fuma, sob os protestos dele. Começam a chegar os primeiros freqüentadores do segundo salão. Peço outra cerveja e o cheeseburguer da casa, correto e bem servido. O amigo da Tipo assim se levanta para ir ao banheiro e, enquanto isso, ela puxa conversa com o garçom. Ela pergunta onde ele mora e em seguida entra com seu assunto preferido: azaração. O garçom até arrisca um palpite:

- É... com mulher é mais difícil.

- Comigo não tem isso não. Quando eu tô a fim, tipo assim, não tem parada. Eu chego junto.

Eis que surge no bar o grande jogador de sinuca, o Carne Frita do pedaço. Elegante, ele traz seu próprio estojo com taco e tudo mais. Ocupa, discretamente, a segunda mesa. Deixo de lado a (futura?) BBB e suas questões metafísicas, peço a conta, mas antes de sair vou até lá admirar um pouco a arte de, tipo assim, matar a bola sete. Saúde e até a próxima.

Botecotaco – Rua Humaitá 122, Humaitá (2539-5109)