sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

(Passo hoje a lançar regularmente neste blog a coluna De Bar em Bar, publicada também na Revista Programa do JB)

DE BAR EM BAR - Hipódromo


Falei aqui outro dia sobre o Braseiro da Gávea. Dessa vez, atravessei a rua e fui ao rival. Não por uma questão de comodidade – até porque, claro, não fui no mesmo dia -, mas por uma questão de inteira justiça. Invocar o nome do Baixo Gávea em coluna e não discorrer sobre o Hipódromo depois, não pode. Simplesmente não dá, o leitor sabe disso. (ainda tem o Bar do Alemão, O B. G... Mas a gente chega lá.)

O Hipódromo era quem dava as cartas no princípio. Em suas mesas, sempre mil coisas, muitos filmes, canções, teatro, futebol, sexo verbal. Houve nos anos 90 a ascensão do Braseiro (um amigo o chama de Galeto) e de repente o velho Hipódromo ficou às moscas. A picanha com arroz de brócolis do boteco do sósia do Mário Covas, o Galeto (ou Braseiro), era considerado um prato irresistível. De noite, azaração, gente louca, esquina fatal.

Bem, mas o que importa é o seguinte: fui no fim de tarde de sábado nublado, aquele calorão, encontrar-me com S. e J. depois do cinema. Eu fui ver o filme Juventude, do Domingos de Oliveira, filmaço, uma pequena obra-prima. Eles foram debulhar lágrimas com Marley e eu – chegaram extenuados à Praça da Gávea. O Braseiro estava bombando com fila na porta. Impraticável. Atravessamos a rua de mão dupla.

No Hipódromo, agradavelmente semi-cheio, a primeira coisa que reparei, ao entrar na varanda e desviar de um carrinho de bebê, foi que na mesa ao lado comia-se uma suculenta picanha com arroz de brócolis e batata frita. Antes que pudesse arrematar a idéia de que se não dá para combater o inimigo é melhor fazer igual a ele, eis que surge o garçom e lembro que o conheço de algum lugar. Sim! Ele era do Braseiro...

- Se eu fosse dizer tudo que sei, ele ia botar meu nome na encruzilhada! Ia beijar meus pés!

Mesmo que fosse algo besta, seria impossível não notar porque foi lançado aos gritos pela mulher da mesa na diagonal, com mais três amigos, todos homens. Era morena, não era bonita, mas tinha uma jovialidade que atraía os marmanjos, que só faziam ouvi-la fascinados. Quando começamos a nos acostumar com a gralha, da mesa atrás vem outro ataque de alta potência:

- Como ele era bonito! Um gostoso!... um, ai... tudo de bom!

Mesa de quatro amigas. Não deviam ser cariocas. A que falou certamente não. Uma gauchinha, de seus 20 anos, gordinha, cabelos lisos. Peitos fartos, decote profundo, auto-estima ok. Também falava aos berros. O que deu nessas mulheres? Curiosamente, a primeira mulher, a morena na mesa da diagonal, passou a conversar mais baixo depois que passaram do chope para o uísque. Não era para ser o contrário?

Pedimos primeiro a linguiça sem trema. Veio excelente. Depois o coração de galinha no espeto. Dos melhores que já comi, misturado no alho. Em seguida, galeto na brasa com fritas. Ótimo. E chope gelado na meia pressão. Nesse início de noite o Hipódromo não apenas fez parecido como fez melhor – o que é bom para todos. Nada como a concorrência respirando no cangote para não haver acomodação. Saúde e até a próxima.

Hipódromo – Praça Santos Dumont, 108, Gávea (2274-9720)

domingo, 25 de janeiro de 2009

DE BAR EM BAR - Allegro Bistrô (Modern Sound)


Tenho uma alegria especial em vir a este bar que fica dentro da loja que está na minha história. Já gastei, feliz, rios de cartão de crédito por aqui – e, por conta disso, levei para casa alguns dos objetos que mais amo na vida. São os discos, os LPs, os CDs – a música, enfim. É verdade que a crise do mercado fonográfico, sem precedentes, transformou o CD no próximo dinossauro – caríssimos, eu mesmo deixei de comprar tanto. (Diante da crise, passaram até a ter outras funções: outro dia, vi um mendigo, sentado num banco da Avenida Atlântica, pentear-se usando um CD como espelho).

Mas bem antes da queda brusca nas vendagens do CD, os donos da loja (os Pedros, pai e filho) sabiamente passaram a investir no bar, que já existe há oito anos. Portanto, o bar, que oferece também boa música, cresceu, ganhou espaço e tornou-se um lugar de referência de shows e até de comes e bebes. Estou falando do Allegro Bistrô, o bar da Modern Sound, na Barata Ribeiro, pertinho da Santa Clara, todos sabem onde fica.

Cheguei cedo para ver o show do Hyldon, um dos fundadores do soul brasileiro, junto com o síndico Tim Maia e Cassiano. Para quem não lembra, é o autor do clássico “Na rua, na chuva, na fazenda”. Hyldon está lançando disco de inéditas, depois de mais de 15 anos, e tenho o orgulho de ter uma parceria com ele no CD. No Allegro Bistrô, são lançados mais de 100 discos por ano. E são 600 shows anuais. Por aqui já passaram nomes como Francis Hime, Marisa Monte, Yamandu Costa, Erasmo Carlos, João Carlos Assis Brasil, Paulo Moura...

Além disso, o Allegro é elegante. Duas ou três fileiras de mesas de tampo de mármore e cadeiras de madeira, como devem ser, e um palco soberano. Ao fundo, na direção do banheiro, um balcão com bancos altos em volta. Obviamente que o lugar respira música. Em suas paredes, pôsteres de artistas. Peço um balde com três cervejas diferentes: Cerpa, Bohemia e Heineken.

O movimento do bar vai crescendo à medida que se aproxima a hora do show. Garçons passam apressados para lá e para cá. Peço logo uma porção de queijo prato e uma Caponata. Há as mesas de freqüentadores habituais, como a das saltitantes senhoras tomando chá e comendo sanduíches. Ou a do senhor à minha frente, bebendo um Chivas Regal. Chega em sua mesa um casal de amigos e, de imediato, o senhor solicita ao garçom, a cara do jogador Obina, um balde de Bohemia e uma tábua de frios.

- É fácil. Eu abro o Clarín, vejo o que está se passando, os shows... e pronto!

Falam de Puerto Madero, Hotel Faena, crise, alta do dólar. São bons vivants que adiaram uma viagem a Londres e, até segunda ordem, se divertirão em Buenos Aires. O homem é alto, atlético, tem uma barbicha branca. A mulher é loura e a idade ainda não afetou a sua beleza. Sobre eles mais não falo porque vai começar o show.

E também porque hoje o meu personagem não é ninguém de carne e osso – mas o próprio palco, soberano, razão maior da existência deste bar. Ah, sim, o show é de graça. Saúde e até a próxima.

Allegro Bistrô – Rua Barata Ribeiro 502, Copacabana (2548-5005)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

DE BAR EM BAR - Braseiro da Gávea

Quem nunca se apaixonou perdidamente, ao menos por cinco minutos, no Braseiro? Lá pelos anos 80, havia no lugar um pé-sujo que vendia cerveja Malt 90 (argh) e o pessoal bebia em pé na calçada. Mais para o final da década, o Baixo Gávea passou a ser o principal point da Zona Sul com a decadência do Baixo Leblon. Mas para ser Baixo não adianta só juntar gente, multidão, é preciso ter história. E sobre o BG daria para escrever um livro volumoso, dividido em vários tomos.

No início era o verbo. E o Hipódromo do outro lado da rua. Talvez no limiar dos 90, a coisa tenha se invertido e o Braseiro da Gávea é quem começou a dar as cartas. Tanto que conseguir mesa no fim-de-semana à tarde, especialmente no domingo, depois da praia, é tarefa dificílima. As filas são quilométricas. Mas para quem quer ver e ser visto não há lugar melhor. (Atualmente o movimento voltou a ser mais equilibrado entre os dois bares.)

Mas estou agora no Braseiro da Gávea, num dia de semana de verão. Começo com um chope e a tradicional lingüicinha na brasa. Eis que chega Seu Jorge. De cara dou-lhe os parabéns pelo sucesso todo e pergunto-lhe se ainda pensa em montar um bar com Ed Motta e Marcelo D2. Um bar com ovo colorido e tudo. Seu Jorge responde que agora não dá, “mas a idéia tá viva”. Então ele me pergunta como é que foi “O rei dos escombros”, uma peça minha (sim, me aventurei na co-autoria), em que ele cantou numa das músicas. Isso já tem um tempão. A peça não foi lá nada bem, mas a música ficou ótima.

Seu Jorge me dá um abraço e se adianta para um compromisso. Poucos minutos depois, chega o Otto, de bicicleta. Ele tomara um tombo, felizmente sem gravidade, e passou ali para dar uma relaxada. Depois que esvazia um copo, pergunto-lhe do disco novo. O título é: “Certa manhã eu acordei de sonhos intranqüilos”, inspirado no Kafka de “A metamorfose”. Não tem prazo ainda, é independente. Otto, além de imprevisível, é um poeta. Ou não é, quem escreve coisas como: “Esse amor me derreteu / Ajoelha-te esquece / A quem te machuca / Agradece, meu Deus / Dói demais / Tanta história de fogo / Que se passa / É melhor se queimar / Que viver na solidão” (“História de Fogo”, com música dele e Alessandra Negrini).

Falamos ainda sobre cães, e Otto também se foi. Aqui no Baixo Gávea é sempre assim. Os artistas vão se alternando numa velocidade espantosa. Um amigo jornalista chegou a passar, certa vez, 12 horas seguidas no Braseiro ouvindo histórias. E há, claro, os queridos personagens anônimos, como os da mesa ao meu lado. Primeiro só a filha, de seus 7 anos, e o pai, já de meia-idade. De repente, chega a namorada jovem do pai. Pouco tempo depois, aparece o pai da moça, da idade do namorado (a família moderna tem incontáveis combinações). Batem um papo animadíssimo. Mas, a esta altura, a fome já é grande. Só me resta pedir a picanha fatiada com arroz de brócolis, farofa de ovo e batatas portuguesas – um clássico do cardápio. E mais um chope para acompanhar e lavar a alma. Saúde e até a próxima.

Braseiro da Gávea – Praça Santos Dumont, 116, Gávea (2239-7494)