terça-feira, 28 de setembro de 2010

Da música clássica ao heavy metal

DE BAR EM BAR – Bar do Serafim


Uma coisa estranha aconteceu quando travei conhecimento com os primeiros textos de Arthur Dapieve no agora longínquo JB. Me pareceu de cara que já o conhecia desde sempre: apaixonado por música e literatura, botafoguense, criado em Copa (entre a praia, o Mallet Soares, a primeira comunhão na igreja de São Paulo Apóstolo e a pizza de presunto do Caravelle). De lá para cá sua alma refinada só nos fez a todos – a mim e a toda uma geração de que faço parte, à seguinte, a outra e àquelas que continuam chegando – refletir e, na medida do impossível, aproveitar um pouco desse atormentado mundo cruel. Pois bem, é com ele que eu vou ao Bar do Serafim, em Laranjeiras.

Saio do centro já meio em cima da hora (com a recomendação, de meu filho Júlio, de que lhe desse os parabéns por uma contenda clubística, que envolvia o Zico e a tradição alvinegra, num programa de tevê com o mordaz comentarista Renato Maurício Prado, temido jornalista rubro-negro). Hora do rush, metrô entupido, nenhum táxi livre no Largo do Machado, trânsito infernal, ônibus então, Rua das Laranjeiras parada, mas consigo entrar no Serafim exatamente no mesmo instante que Dapieve, morador do bairro, chega pontualmente. Sentamos numa mesa à direita, próximo do balcão. Ele pede um chope escuro, eu um claro.

O Serafim, onde “não é permitido entrar bêbado, sair sim”, é um bar pequeno, aconchegante. No dizer de um dos quadros na parede, um bar “lusitano à Noel Rosa”. Noutro, vê-se Marcelo D2 afirmar, numa matéria antiga, que lá é seu escritório. Um belo escritório, por sinal, com boas cachaças nas prateleiras e pedaços de bacalhau no teto. Entre as fotos expostas, uma de meu convidado com seu Juca, o ex-dono de fartos bigodes, que morreu ano passado.

Pergunto a Dapieve, como frequentador da casa, o que ele recomenda. Começamos com os ótimos bolinhos de bacalhau para acompanhar o chope. De tamanho médio, sequinhos, saborosos. Algumas outras opções de petiscos no cardápio: pastéis, empadas, torresmo, fritas com cebola, alheira portuguesa, morcela. Entre as bem servidas refeições, capa de filé, rabada com agrião e o cozido do fim de semana. Dapieve me conta que um de seus pratos preferidos é a lula à alentejana (arroz, pedaços de lula, paio e lombinho). Fiquei curioso com essa mistura meio extravagante. Mas vai ficar para outra.

Com a ajuda do chope para molhar a garganta e a mente, enfileiramos vários assuntos: primeiro o futebol, claro, o bom trabalho que a diretoria do Botafogo vem fazendo, Loco Abreu, o difícil equilíbrio entre o casamento e a oferta de mil jogos por semana (ele, por sorte, é casado com uma santa que gosta de futebol, a também jornalista Mànya Millen); bares de Copacabana; uma viagem programada ao Japão; Maria Gadu, bandas novas; o prazer de indicar uma leitura; o dilema de ler ou não enquanto se escreve um romance; Bussunda; os perigos de um piripaque em nossa idade (rondando os 50)...

A propósito, para checar a saúde e o colesterol, pedimos a boa porção de pastéis de camarão com catupiry. Súbito, com várias bolachas de chope espalhadas pela mesa, nos damos conta de que já se passaram mais de duas horas e meia. Quando o encontro é bacana passa rápido. Afinal, Arthur Dapieve transita com bom gosto, elegância e conhecimento de causa da música clássica ao heavy metal (os sons que ele vem escutando ultimamente, aliás). Da política brazuca às obras completas de Freud, passando pela Segunda Guerra Mundial. De A a Z. O que faz dele um dos principais cronistas do nosso tempo. Saúde e até a próxima, Arthur.

Bar do Serafim – Rua Alice, 24 A, Laranjeiras (2225-2843)