quinta-feira, 30 de junho de 2011

(Um poema nada aleatório)

A CHAVE SHUFFLE

  não há
  alento
aqui no restaurante
                        a quilo
eu tento
            quebrar
                        a casca
de meu filho
                        adolescente
enquanto vivo
            meu próprio dilema
estacionado
  num
     não-lugar

como meu sushi
                                   tomo meu chope
           penso
que tenho que ser forte
                                   e preciso mudar
   em um monte de coisas

quando chegam
                                   à mesa da frente
   um velho bem velho
                                   que poderia ser
                                                           meu avô
e a namorada
                        pelo menos
                                   40 anos mais jovem
ele está íntegro,
            em êxtase
                                   ela sorri 
                                               – parece ser compreendida
                 com discrição e tranquilidade
logo me desinteresso
                        no entanto o velho
                                   diz
                        peremptoriamente:
há dois níveis de pessoas
os que levam a cabo
                        a tarefa
e os que vão pagar por isso
sei que não diz tal coisa
                                   para mim
(nem o cobertor curto o que
você é o que você tem)
mas é como
se
fosse
       a cabala
            um biscoito da sorte
    que me coube
            (randomicamente)
                        no afã
da
verdade 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Assim foi se lhe parece

Era uma vez um esporte jogado com os pés que foi inventado na Inglaterra (embora haja registros do jogo, numa forma bem rudimentar, que remontam à China de antes de Cristo) e foi trazido para o Brasil por um paulista chamado Charles Miller, no fim do século 19. Convencionou-se estipular que este foi o início de tudo para nós brasileiros: as bolas que Miller trouxe da Inglaterra em sua mala no ano de 1894. O esporte, porém, não se disseminou de imediato, uma vez que seus praticantes iniciais eram apenas os filhos da alta burguesia. Os esportes mais populares até então na capital do país, o Rio de Janeiro, eram o remo e o turfe.

Por conta dessa origem elitista somente a partir da década de 1910 é que o esporte, com a realização de torneios organizados e os primeiros amistosos entre as cidades, passou a ter mais relevância, inclusive na imprensa. No limiar do século 20, os jornais praticamente ignoravam as atividades esportivas, dedicando-lhes pouco ou nenhum espaço. Mas tiveram que se render à força e ao fascínio do jogo que, num primeiro momento, era disputado com material importado: bola de couro, uniformes de linho e algodão e sapatos especiais. É considerado um marco no sentido da sua popularização a incorporação de atletas negros por parte do Vasco da Gama em 1923; embora o Bangu já os tivesse aceitado antes, o Vasco foi o primeiro grande clube a aderir ao óbvio: o crescimento do esporte dependia de sua penetração nas classes trabalhadoras.

Passado algo em torno de 100 anos, o esporte está, indiscutivelmente, consolidado não só como a paixão nacional, mas também como o mais querido em todo o planeta. Qualquer criança que já chutou uma bola sabe disso. Pegue, por exemplo, dez adolescentes de 15 anos, de qualquer lugar do mundo, e mostre fotos de Pelé, Maradona, Ronaldo Fenômeno, Kaká, Messi, Cristiano Ronaldo. Mostre a camisa do Barcelona. Provavelmente serão todos, ou quase todos, reconhecidos e considerados familiares. Mas naturalmente não foi sempre assim.

Imaginemos as dúvidas e o receio do jornalista que foi escalado pela primeira vez para cobrir um evento do esporte nos seus primórdios. Como escrever sobre algo que a maioria das pessoas não tinha a menor ideia do que se tratava? Como contar o que é uma partida de futebol, se isto nunca havia sido contado? Tarefa bastante difícil inventar um cânone. Vejamos um pequeno trecho de um jornalista desbravador, cronista do Correio do Povo, a quem foi atribuída a função de escrever sobre o primeiro Gre-Nal da História, realizado em 1909:

Lindíssimo era o aspecto que apresentava anteontem o ‘ground’ dos Moinhos de Vento, quer pela sua ornamentação como pela concorrência. Lá estavam cerca de 2.000 pessoas ansiosas por assistir ao encontro dos primeiros teams do Grêmio F. Ball P. Alegrense e do Sport Club Internacional. O belo sexo, representado por grande número, apresentou-se ostentando finíssimas ‘toilettes’ entre as quais muitas adaptadas aos jogos ao ar livre. Ao projetado torneio, por várias vezes nos tínhamos referido, pois prometia ele ser renhidíssimo, como de fato o foi.

As referências à “ornamentação” e ao “belo sexo” (“ostentando finíssimas ‘toilettes’”), ao aspecto “lindíssimo” do “ground” poderiam fazer supor que se tratasse de alguma atividade cara ao colunismo social e à vida mundana portoalegrense. O emprego de estrangeirismos (como o “ground” referido) na época era comum e até bastante compreensível, principalmente no caso da língua inglesa, devido à origem do esporte e, em alguns casos, pela própria ascendência dos jogadores. Como pode ser também observado nas linhas a seguir:

Entremos a descrever em ligeiras linhas as peripécias do jogo, o qual foi além da expectativa. Às 3.25 pelo respectivo ‘referee’, sr. Waldemar Bromberg, foi dado signal de ‘kick-off’, cabendo este ao center forward Booth, do team azul. Nos primeiros minutos, o jogo esteve indeciso, pois o team azul, que era constituído de excelentes elementos, pretendia conhecer a força do seu rival. Pelo primeiro lance, verificou-se que a linha de forward do Grêmio F. B. era bem combinada e com bizarria atacava os seus adversários sendo rechaçados, por várias vezes, pelos ‘halfbacks’ do team encarnado.

Uma característica marcante do modo narrativo presente nos dois trechos e que cabe ressaltar aqui é o tipo de construção sintática utilizada pelo nosso jornalista. Para os padrões atuais, há muita pompa e prolixidade, com largo uso de expressões pretensamente poéticas. (Embora, para os defensores da norma culta, talvez seja um importante legado estético.) Para contar que no início da partida os times estavam ainda se estudando, ele afirma que o jogo “esteve indeciso”, pois o Grêmio “pretendia conhecer a força do seu rival”. Depois relata que o Grêmio “com bizarria atacava os seus adversários sendo rechaçados, por várias vezes” pelos defensores do Inter (grifo meu). Tudo isso leva a crer que a disputa estaria sendo bastante acirrada, inaugurando, portanto, em grande estilo a famosa rivalidade entre tricolores e colorados do Rio Grande do Sul. Mas não. Na verdade, o Grêmio aplicou uma surra de 10 a 0 no então recém-formado Internacional.

Em relação à linguagem propriamente literária, o escritor Nelson Rodrigues, grande fã do esporte, algumas décadas mais tarde, nos deu fartas e preciosas mostras de seu talento nas crônicas sobre o futebol. Alguns outros grandes nomes da literatura (e do jornalismo) também se aventuraram na crônica esportiva, como José Lins do Rego, Vinícius de Moraes, Roberto Drummond e Armando Nogueira, mas ninguém brilhou mais do que Nelson. Ele tinha a fértil capacidade de transformar uma peleja chinfrim numa épica jornada. Como, de certa forma, também se utilizavam da imaginação os eletrizantes locutores que ao narrar uma partida abusavam das hipérboles para prender a atenção dos ouvintes na chamada era do rádio (cujo poder com o passar do tempo e a chegada da televisão foi enfraquecido, naturalmente, mas não deixou de existir). Com a força de seu entusiasmo, os radialistas-narradores tinham que dar a ver a partida em todas as suas nuances apenas com o recurso do áudio. E – a menos que estivesse presente no estádio, e talvez vendo um outro jogo – ao aficionado só restava acreditar.

Situação completamente diferente desta é a que se vive hoje. Com a evolução e a utilização simultânea de várias tecnologias, com a transmissão dos jogos pela tevê em alta definição e o auxílio de cada vez mais câmeras, com a incorporação da internet à cobertura jornalística, tudo que é dito (e escrito) pode (deve) ser devidamente comprovado – como que num louvor e numa busca olímpica da mais pura objetividade. O próprio jornal tem hoje o seu espaço redefinido na cobertura esportiva, pois a rapidez das mídias eletrônicas pode transformar em questão de horas, ou até de minutos, uma informação quente numa notícia velha. Ao jornal caberia agora, mais do que “contar” o jogo, esmiuçar os fatos e fazer a análise das notícias.

Um bom exemplo da relação entre mídia e futebol atualmente pôde ser dado na recente final da Liga dos Campeões 2011, entre Barcelona e Manchester United. Este jogo foi assistido por mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo. Na cobertura, os jornais e as tevês forneceram incessantemente, durante os dias que antecederam ao jogo, diversos dados e informações (como faturamento, patrocínio e números de sócios dos respectivos times, além daqueles específicos da preparação e retrospecto das equipes), para forjar onde quer que fosse a ambiência da decisão. No dia seguinte, o jornal O Globo exibia a seguinte manchete: “Um futebol de outro mundo”. No corpo do texto, o jornalista Fernando Duarte afirma que “os catalães jogam, hoje, algo bem acima de tudo que se pratica no futebol mundial. E reforçam os argumentos dos que os colocam em listas dos melhores times de todos os tempos.” Claro, sintético e objetivo.

Os colunistas Renato Maurício Prado e Fernando Calazans, do mesmo jornal, e a quem cabe a função de analisar os fatos, também não deixaram dúvidas sobre o que aconteceu em campo. Escreveu Renato, com perspicácia: “Esse timaço do Barcelona é tão bom, mas tão bom que por mais forte que sejam seus adversários, na maioria das vezes, acabam parecendo medíocres – todos colocados na roda e assistindo, impotentes, ao exuberante toque de bola da equipe catalã.” Já Calazans, também lançando mão do texto ágil e da mesma entusiástica coloquialidade, foi mais preciso em seu comentário:

O Barcelona foi mais Barcelona do que nunca (67 por cento de posse de bola), impôs seu jogo, seu estilo, seu ataque, e sapecou 3 a 1 no Manchester, sem se importar com o nome do adversário, e com direito a tudo que tem de bom: jogadas e finalizações de Messi, passes de Xavi e Iniesta, e ainda um chute esplendidamente colocado de Villa. O Barcelona reservou para a final um show completo, show de melhor time do mundo.

Por mais que os tempos atuais nos levem a privilegiar a objetividade dos fatos em detrimento da capacidade imaginativa, o futebol como nenhum outro esporte mexe com a alegria e a paixão do torcedor. Poucas coisas nessa vida são tão inesquecíveis como passar de pai para filho a emoção de torcer pelo mesmo time e vibrar junto com o futebol. Porque, entre outros trunfos, e além da beleza do jogo em si, ele é imprevisível (lembre-se, por exemplo, da desclassificação em massa dos “fortes” clubes brasileiros na Taça Libertadores 2011, na mesma semana, à exceção do Santos). O brasileiro gosta do jogo bem jogado, do futebol-arte. Somos todos técnicos e entendidos no assunto. Porém, muitas vezes, o torcedor vê e ouve o jogo que bem entende – ainda que haja argumentos cristalinos e um aparato tecnológico indiscutível apontando para outro lado. E por mais que os competentes recitadores de estatísticas e os meros idiotas da objetividade (como diria Nelson Rodrigues) queiram tratá-lo – e entendê-lo – como se fosse uma ciência exata. A despeito de ser só um jogo, o futebol é muito mais do que um jogo.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quem manda é o Russo

DE BAR EM BAR (87) – A Polonesa



Havia planejado ir ao bar vencedor do recente Comida di Buteco, o Da Gema. Mas o tempo virou, choveu e passei pro Real Chopp aqui do lado. Na hora H, já caminhando pela Toneleros, o vento frio batendo na nuca, mudamos mais uma vez, para um lugar mais perto e fechado, para a boa e velha Polonesa. (Alguém poderia objetar que A Polonesa não é um bar e sim um restaurante. Em termos ortodoxos, sim; não é. Mas eu poderia também retrucar: Não é para você, seu ingrato... peça uma pasta de repolho, uma cerveja, um steak tartare...). Depois de tantos bares goela abaixo, penso que o conceito de bar é uma questão mais do que tudo afetiva. Portanto, fomos ao bar Polonesa...

Frequento aqui há quase duas décadas e é impressionante a regularidade. A pasta de repolho e o steak tartare são imbatíveis. Como também é imbatível a dupla de garçons: Russo e Silvano. Fazia tempo que não vinha e cheguei a pensar que os dois poderiam cumprimentar-me de forma protocolar. Mas não teve disso. Quando o Russo me viu, veio pro abraço. Cumprimentou a Sylvia também com alegria. Sentamos numa mesa encostada na parede à direita de quem entra, mais para o fundo.

A iluminação baixa, as tábuas de madeira no teto, os pôsteres e as matérias sobre a casa compõem o ambiente aconchegante, me fazem sentir saudades da Polônia que ainda não conheci e, nesse momento, também ajudam a me lembrar do poeta Paulo Leminski, descendente de polonês (“Uma mosca pouse no mapa / e me pouse em Narájow, / e a aldeia donde veio / o pai do meu pai, / o que veio fazer a América, / o que vai fazer o contrário, / a Polônia na memória, / o Atlântico na frente, / o Vístula na veia”). Por enquanto há apenas outras duas mesas ocupadas em Narájow. Em vez da cerveja habitual, peço uma garrafa de vinho.

Quando o Russo traz a garrafa de Periquita e o couvert, com pão preto e francês, manteiga, azeitonas verdes e a referida pasta de repolho, pergunto pelo rubro-negro Silvano. Russo, a alegria em pessoa, momentaneamente fica cabisbaixo. “Viajou para ver o pai. O pai dele estava mal fazia tempo. Só foi o Silvano chegar que o velho morreu em seguida.” Russo fala de seu pai, que também não anda bem, já tem 86 anos. Mas a tristeza logo passa. Enche as taças até bem mais da metade. A vida tem que seguir em frente. Diz que rico só vai ficar se ganhar na loto, mas que não pode reclamar, pois já tem tudo do que precisa. Casa, carro, filhos criados. Aí começa o show.

Ansioso, ele traz logo a magnífica sopa de beterraba enquanto ainda me entretenho com a pasta de repolho que está no finzinho. Pergunto se ele não poderia trazer mais um pouco da pasta para comermos com o resto dos pãezinhos que sobraram. Russo diz que é pra já e traz uma quantidade até maior do que a inicial. Elétrico, por um instante ele vai até a cafeteira automática para fazer uma xícara para ele mesmo. “Para espantar o sono, né...”

O cearense avermelhado, de estatura mediana, gordinho, de óculos, se empolga e fala do filme em que fez uma ponta (é do diretor de “Central do Brasil”...a Camila Pitanga me adora...), vai lá dentro e mostra o jornal com foto e uma matéria sobre ele, conta da sua comemoração, na véspera, de 28 anos de casado. Ainda estamos tomando a sopa de beterraba quando o inacreditável Russo já aparece com o prato de steak tartare. Vem todo feliz, alardeando que veio no capricho e comenta que agora aprendeu um novo método para misturar o prato. Com todo o cuidado para não contrariar a estrela, observo que ainda quero aproveitar a sopa com calma. Mas ele não se faz de rogado: “já vou preparando que é pra não esfriar...” e ri. Então rio também, mesmo que não faça o menor sentido.

O steak tartare estava bem cremoso e absolutamente extraordinário. É o melhor da cidade, sempre foi. Porém, com o novo método (e a porção no capricho), a experiência gustativa dessa vez foi ainda mais transcendente, se é que isso é possível. E para dar um toque de pura anarquia ao momento sublime, Russo, depois de preparar o prato, tirou, sem nenhuma cerimônia, uma colherada com um pouquinho da porção para ele mesmo. Orgulhoso, ainda mostrou para a bela polonesa do caixa e foi degustá-la assistindo singelamente a tevê com a dona/gerente. É preciso muito moral para fazer isso.

Outros pratos que também podem ser apreciados por aqui: estrogonofe de carne, frango ou camarão, goulash, badejo grelhado com raiz-forte, sopa de palmito ou de cerveja. No quesito sobremesa, a grande pedida é o suflê de chocolate, fumegante perdição, ainda mais no friozinho. Um detalhe importante: deve ser encomendado junto com o prato principal. Mas que não foi necessário – a felicidade já estava completa. Só faltou dizer que o Russo, além de mandachuva do pedaço, ainda por cima é botafoguense. Saúde e até a próxima.

A Polonesa – Rua Hilário de Gouveia, 116, Copacabana (2547-7378)

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Dois poemas de Ana C.

olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas

(Ana Cristina Cesar)


* * *

FLORES DO MAIS


devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais

(Ana Cristina Cesar)

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Inda renascerei do pó de Hipócrates

(A SOMBRA DO FAQUIR 17)




Após quase meio século de praia, só hoje aprendi a dormir de barriga para cima (quando era bebê não conta). Pode parecer uma bobagem, mas é um recurso extremamente útil quando não se consegue respirar direito. É verdade que dormi mal, volta e meia me lembrava de que estava engessado naquela posição engessada, fazendo com que o sono fosse bem rasteiro. O máximo que me era permitido pelo nariz em erupção era uma viradinha de lado. Mas foi muito melhor do que não ter dormido coisa nenhuma – que foi o que aconteceu nas duas noites anteriores.

Se pudesse tomar uma injeção, com agulha grossa e tudo, na testa ou na costela, para ficar bom logo, no ato, toda vez que caísse doente, eu o faria feliz. Sempre fui muito impaciente com doença. Acredito que parte considerável dos homens também é assim. (O que só comprova a nossa eterna imaturidade perante as mulheres). Como se sabe, elas toleram melhor a dor, e ainda assim vão mais ao médico, vivem mais. (Logo penso: viver mais para quê?... – mas estou doente, deixa para lá.)

Neste sentido, este 2011 – que já chega à sua metade – tem sido uma provação para mim. Depois de iniciá-lo com mergulhos e hábitos mais saudáveis, retomando uma empolgação esportiva que julgara abandonada no tempo, tive dores e uma temporária surdez num dos ouvidos (já tinha ouvido falar disso para músico, nunca para letrista). Depois fraturei a perna, por excesso de carga (já faz três meses e a situação ainda não voltou completamente ao normal). Tive também uma gripe forte há um mês e agora veio uma recaída. Deixo claro que não sou vítima de nada, mas fico pensando no que virá depois.

Além das conclusões apressadas (e óbvias) de que preciso me benzer e a velhice é fogo (é a mãe), fui levado a me adaptar às limitações em série. Mas pude também me dar ao luxo de dispensar da agenda o que não é essencial e tentar botar em prática a noção de que o corpo doente precisa da força da mente sã – ou de ao menos algo perto disso. E até usufruir de certo afinamento da sensibilidade que a dor e a restrição oferecem. Quando era criança, por um lado, gostava de ficar doente para não ter de ir ao colégio; depois, já adulto, para não ir ao trabalho. Só que o mal-estar geralmente não compensava. Hoje trabalho (na corda bamba) em casa fazendo o que mais gosto e de bem com a relativa solidão. Como ler e escrever estão liberados, já é alguma coisa. De qualquer forma, acho que vou procurar um Preto Velho.

(