quarta-feira, 4 de maio de 2011

O lado mais sombrio do Leblon

DE BAR EM BAR (86) – Bar do Ferreira


Esta semana chega ao fim mais uma edição do Comida di Buteco. É a terceira vez que bato ponto e embarco no prazer de conhecer novos botequins, e revisitar outros velhos conhecidos, via a mineirada boa de copo que comanda esse evento (e que entende do traçado), mas dessa vez procurei ir aos bares mais perto de meu lar, pois ainda me recupero da infantil estripulia de uma fratura por estresse. Fui, entre outros, ao Bar do Ferreira, ali na Dias Ferreira esquina com João Lira, no Leblon. É um bar que há tempos eu queria conhecer. Num bairro onde já morei em vários endereços e situações.

O Bar do Ferreira era um pé-sujo frequentado pela rapaziada. Geralmente você via por lá, em pé na área externa em frente ao bar, algumas das maiores gatas e os maiores malandros e vagabundos do Leblon. Tinha aquele tipo inesquecível de garota, a que possui uma beleza selvagem e é a bad girl da escola. Sempre o observei com bons olhos. Tinha o charme e a sobriedade de se localizar numa rua interna do bairro, com acesso menos óbvio aos forasteiros. Longe do brilho fácil e carismático dos bons (ótimos) bares dos locais mais badalados. (Como Jobi, Bracarense, Clipper, o atual Chico & Alaíde...) Até que, de repente, passou por uma reforma e o Bar do Ferreira virou um pé-limpo. É o que fui conferir.

Na verdade a reforma nem é tão recente assim (2009). Mas isso não importa. Cheguei num sábado à tarde e, de longe, já vi as bandeirolas do festival. Havia um movimento moderado, mas a parte da janela, que dá o intercâmbio do interior com a rua, com cadeiras de ambos os lados, e também as poucas cadeiras na calçada estavam ocupadas. Sentei-me com Sylvia na parte interna e fomos direto ao ponto. Pedimos logo o petisco que era apregoado no cartazinho sobre a mesa. Hot roll de carne-seca. A fome era grande. Para acompanhar, dois chopes.

Esqueci de dizer que o salão a esta altura estava tranquilo. Pai e filha almoçando, um coroa tomando uísque, o garotão vendo o futebol. O espaço não é muito grande, mas é simpático. Um bom balcão, bebidas de qualidade nas prateleiras em volta das paredes. E um razoável trunfo – chope da Brahma e cerveja grande de garrafa no cardápio – para um boteco agradar gregos e troianos (como não sou nem um nem outro, comecei no chope e depois passei para a cerveja). Mas e o petisco? Veio sem graça. A apresentação era ok, a idéia de inspiração na culinária japonesa interessante (desde que você não seja um purista radical, o que não é o meu caso – sou partidário da arte acima de tudo), só que não foi o suficiente. O enroladinho de couve com aipim, recheado de carne-seca realmente não decolou. Mas isso não foi o fim do mundo.

Uma nova olhada no cardápio, e cravamos o bolinho de feijoada, uma criação do Aconchego Carioca, que ganhou fama e também o seu lugar em outros bares e versões. Fiquei curioso. Aliás o cardápio tem um elenco de opções que desperta curiosidade pela mistura de pé-sujo com pé-limpo. Aqui tem Perdidinho do Ferreira (camarão, carne-seca), espetinhos de queijo, frango, misto e filé mignon, coxinha, croquete de carne assada, risole, pasteis de bobó de camarão e de pizza, sanduíches de pernil, linguiça acebolada, salaminho e lombinho, e os pratos na chapa: camarão à paulista, picanha fatiada, calabresa acebolada, carne-seca com aipim e farofa. O bolinho de feijoada veio correto e com o bom senso de não ser uma cópia do original, mas uma variação.

O melhor mesmo veio para o final. A casa oferece de caldos o seguinte: batata baroa com gorgonzola, feijão e bobozinho. Pedimos o bobozinho. Este sim veio saboroso e consistente. Um bom motivo para descer uma Bohemia de saideira e solicitar ao discreto e eficiente garçom la contita. A esta altura está se processando a troca de turnos, o pessoal que veio tomar uma depois da praia já se foi, o velhinho solitário que espia tudo com olhos de menino travesso também e agora são casais e grupos de mulheres que se aboletam no local. Noto que, em geral, não são necessariamente da área. O público, portanto, do Bar do Ferreira cresceu. Mas, com todo o respeito, a pergunta que não quer calar é: e as lindas gatas da pá-virada, as que gostam do lado mais sombrio do Leblon, continuam frequentando? Saúde e até a próxima.

Bar do Ferreira – Rua João Lira 148, Leblon (2540-7014)