sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Uma pequena teoria do riso

"Manifesta-se no riso das pessoas, na maioria das vezes, qualquer coisa de grosseiro que humilha a quem ri, embora essa pessoa quase nunca saiba o efeito que o seu riso provoca. Tal como não sabe (ninguém sabe, aliás) a cara que faz quando dorme. Há quem mantenha no sono uma cara inteligente, mas outros há que, embora inteligentes, fazem uma cara tão estúpida a dormir que se torna ridícula. Não sei por que tal acontece, apenas quero salientar que a pessoa que ri, tal como a pessoa que dorme, não sabe a cara que faz. De uma maneira geral, há muitíssimas pessoas que não sabem rir. Aliás, isso não é coisa que se aprenda: é um dom, não se pode aperfeiçoar o riso. A não ser que nos reeduquemos interiormente, que nos desenvolvamos para melhor e que superemos os maus instintos do nosso caráter: então também o riso poderá possivelmente mudar para melhor. A pessoa manifesta no riso aquilo que é, é possível conhecermos num instante todos os seus segredos. Mesmo o riso incontestavelmente inteligente é, às vezes, abominável. O riso exige em primeiro lugar sinceridade, mas onde está a sinceridade das pessoas? O riso exige a ausência de maldade, mas as pessoas, na maioria dos casos, riem com maldade. Um riso sincero e sem maldade é uma pura alegria, mas, nos tempos que correm, onde está a alegria? E poderão as pessoas ser alegres? A alegria é um dos mais reveladores traços humanos, basta a alegria para revelar as pessoas dos pés à cabeça. Por vezes não há meio de percebermos o caráter de uma pessoa, mas basta ela rir para lhe conhecermos o feitio como às palmas das nossas mãos. Só as pessoas desenvolvidas do modo mais elevado e feliz sabem ser contagiosamente alegres, de uma maneira irresistível e benévola. Não falo de desenvolvimento intelectual, mas de caráter, do homem como um todo. Portanto: se quiserdes compreender uma pessoa e conhecer-lhe a alma não presteis atenção à sua maneira de se calar, ou de falar, ou de chorar, ou de se emocionar com as idéias mais nobres, olhai antes para ela quando ri. Ri bem – é boa pessoa. Observai depois todos os matizes: por exemplo, é preciso que o riso não pareça estúpido, por mais alegre e ingênuo que seja. Mal decteteis a mais pequena nota de estupidez num riso, ficai sabendo que a pessoa que assim ri é intelectualmente limitada, apesar de nos expor um sem fim de idéias. Mesmo que o riso não seja estúpido, se vos parecer ridículo, nem que seja um pouquinho, ficai sabendo que não há na pessoa que o ri uma verdadeira dignidade, pelo menos a dignidade suficiente. Por último, notai que, mesmo que um riso seja contagioso mas por qualquer razão vos pareça vulgar, também a natureza dessa pessoa é vulgar, que toda a nobreza e espírito sublime que tínheis visto nela ou são fingidos ou imitados inconscientemente, e que essa pessoa, no futuro, mudará inevitavelmente para pior, se dedicará ao ‘útil’, abandonando sem pena as idéias nobres como sendo erros da juventude.”

(Fiódor Dostoiévski - 1821-1881)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

De volta ao pé-limpo original

DE BAR EM BAR - Belmonte

Fui outro dia ao Belmonte Flamengo, o original de série, com o amigo Luciano Cian. (Já há quem diga, caro leitor, que tenho um milhão de amigos. Nem tanto.) Bem, Luciano é multimídia. Ele é artista plástico, webdesigner, diretor de videoclipes e também um dos diretores do programa Fora de casa, que estreou recentemente no GNT. Ficamos de nos encontrar lá.

De longe, vejo que está cheio. Consigo pegar uma última mesa vazia, no fim do pequeno salão, à esquerda de quem entra. Há um grande movimento de pessoas, a maioria engravatada, tanto na parte interna, nas mesas, quanto em pé do lado de fora, tomando um chope depois do trabalho, às 19:30 de uma terça-feira. Peço o meu também e dou uma esquadrinhada no bar.

Parede verde-limão, quadros do Rio antigo, alguns pôsteres de cerveja, garrafas nas prateleiras, um balcão onde se pode beber ali encostado. Apesar da estética comum às filiais da rede, a matriz, menor e mais aconchegante, tem a verdadeira cara (e a alma) do Belmonte. Quando este bar foi comprado por Antonio Rodrigues, rapidamente se transformou numa febre. Isto aconteceu cinquenta anos depois da sua inauguração em 1952. Antes era um pé-sujo tradicional do bairro e depois virou aquele que é o protótipo do botequim pé-limpo.

Eis que aparece o Luciano Cian. Acaba de voltar de uma temporada de três meses viajando a trabalho pelo mundo todo. Sim, eu disse pelo mundo todo – ou quase. Para gravar os episódios do programa Fora de casa, Luciano foi a Nova Iorque, Cidade do México, Montreal, Paris, Barcelona, Johanesburgo, Windhoek, Nairóbi, Berlim, Estocolmo, Gotemburgo, Londres, Capadócia, Veneza, Cote D’Azur e Santiago. Só não foi a Moscou porque não tinha o visto. Como se não bastasse, só para nos humilhar, a mim e a você, amigo leitor, ele ainda tirou três dias de férias em Olimpus, na Turquia, com direito a volta a Paris.

- Paris é um Baixo Gávea. É lindo, mas é um zero a zero danado!

Enquanto me conta as suas impressões (“Barcelona é adolescente”; “Na cidade do México, todos usavam máscara”; “Em Nova Iorque, vi duas meninas de 12 anos sozinhas no metrô às quatro da manhã, segurança total”), pedimos pastéis de camarão e em seguida a casquinha de siri. Vieram ótimos. O único senão vem dos garçons. São muito ávidos em servir logo o próximo chope, antes mesmo que o anterior tenha acabado. Depois de umas três ou quatro vezes, com o copo ainda com três dedos, chamei o garçom jovem e moreno, mas ele, pressentindo uma bronca, escapuliu. Não tive dúvida: fui ao gerente. Tudo esclarecido, o tal garçom não mais nos serviu e o respeito ao final do chope foi observado.

Pedimos, então, uma porção de pernil acebolado com farofa. Veio excelente e bem servido. Penso no poder de uma ideia. Pois foi exatamente uma boa sacação (entrevistar brasileiras que moram pelo mundo) o que permitiu ao meu amigo Luciano Cian fazer a viagem de uma vida toda. E também com uma boa ideia, este bar matriz foi um dos que inaugurou o formato de botequim pé-limpo no Rio de Janeiro. Saúde e até a próxima.

Bar Belmonte – Praia do Flamengo, 300-D, Flamengo (2552-3349)

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Blues e amendoim às segundas

DE BAR EM BAR - Bar do B


Fui numa segunda-feira dessas ao Mercadinho São José, ali no começo de Laranjeiras. Às segundas os bares do lugar não costumam abrir, a não ser o botequim que toca blues. Fui lá dar uma checada, por sugestão do meu primo Sérgio. Estou falando do Bar do B. Convidei para ir comigo o baixista do Barão Vermelho e grande amigo Rodrigo Santos.

Ao chegar, sou recebido por Bebel e Bernard – e logo fico em dúvida quem é o “B” do nome da casa. Cheguei cedo, por volta de 19:30, e o show só começaria quase uma hora depois. Enquanto os músicos ainda dão uma passada no som, tomo uma cerveja Skol long neck (a única à disposição). Como explicarei o diminuto espaço, caro leitor? Bernard, o dono, me conta com grande orgulho que se trata da “menor casa de shows do planeta.” Bar lotado seriam não mais do que 30 pessoas. Ao lado de um minibalcão, encostados na parede azul, tocam os músicos. No lado oposto fica o público, entre mesas e cadeiras coladas na banda e cadeiras altas e mesinhas redondas encostadas na outra parede. Escolho este último local.

Chega então o Rodrigo Santos, animado como sempre, eletricamente concentrado na batalha de sua carreira solo. Acabou de lançar seu segundo CD, Diário do homem invisível. Como se sabe, o Barão Vermelho está de férias por tempo indeterminado, portanto todos da banda têm de se virar. E ele está conseguindo isso de forma muito bonita. Rodrigo Santos era aquele companheiro (quase) perfeito para uma esbórnia: para ele a noite nunca tinha fim (o que depois virava um problema). Até que num estalo parou com tudo. Nem mesmo um chope. Desde então, e já se vão quatro anos, Rodrigo tornou-se um artista mais completo. Neste seu novo trabalho, há muitas músicas próprias e também algumas parcerias com Leoni, Humberto Barros, Dado Villa-Lobos e ainda este colunista (na faixa Longe perto de você, com Fernando Magalhães). Entre as participações especiais, Ney Matogrosso, Cidade Negra e Autoramas.

Músico fominha que é, fico a matutar quanto tempo Rodrigo Santos levaria para combinar uma canja com o pessoal da banda. Não mais do que cinco minutos. Músicos que se conhecem, camaradagem estabelecida, escolhem a stoneana Jumpin´Jack Flash. Peço mais uma cerveja e pergunto a Bebel o que tem para comer. Como não há espaço para preparar alimentos, às segundas o bar só oferece amendoins ou sanduíche natural. Nos outros dias, os clientes pedem comida dos bares ao redor.

Eis que surge meu primo Sérgio. Não o encontrava fazia uns dez anos, quando nos esbarramos recentemente num desses bares da vida (e da coluna). Ele me conta que aqui acontece essa noite do blues desde novembro e que se formou um público fiel. Também pudera. Os músicos Claudio Bedran, baixo, e Pedro Strasser, bateria (a cozinha do Blues Etílicos) mais Maurício Saad, vocais e guitarra, são excelentes e tudo é tocado baixinho, meio cool – mas sem perder a intensidade. Certamente, agradaria platéias de qualquer lugar. O Bar do B, que apresenta outras atrações ao longo da semana, bem poderia ser B de Blues. Saúde e até a próxima.

Bar do B – Rua das Laranjeiras, 90, Laranjeiras

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Fanfarrão faz valer a visita

DE BAR EM BAR - Choperia Vila Rica


De passagem para o centro, muitas vezes me chamou a atenção o enorme letreiro (que pode ser avistado da janela do carro ou do ônibus): “Choperia XYZ” e, principalmente, em letras menores, o desfecho da publicidade: “o melhor chope do bairro”. Pois bem. Fui lá conferir. Estou falando da Choperia Vila Rica, que fica na movimentadíssima esquina da rua da Glória com Cândido Mendes, portanto na subida para Santa Teresa.
A Choperia Vila Rica, além de bar, é também lanchonete, restaurante e pizzaria. Pelo menos é o que se promete. Na parte externa, há algumas mesinhas com cadeiras de plástico. No balcão pode-se comer um salgado ou doce. Na parte interna, tem-se o salão onde funciona o restaurante com certo clima de casa portuguesa (e, de fato, um senhor come um cozido e toma uma taça de vinho). Sento-me do lado de fora, para ver o vai e vem alucinado de transeuntes. Por enquanto, apenas uma outra mesa ocupada, ao meu lado esquerdo. São duas meninas com cortes de cabelo modernos, que tomam um mate e parecem entediadas na quinta-feira à tarde.

Peço um chope na meia pressão. O garçom grita lá para dentro: “Sai um na pressão!” E vem um chope absolutamente normal, com o colarinho ralo de sempre. Tomo mesmo assim. Para comer há porções de bolinhos de aipim com catupiry, pastéis, linguiça, picanha fatiada, carne de sol, mas prefiro não beliscar nada. Logo em seguida, chegam dois coroas e sentam-se ao meu lado. Sentam-se é modo de dizer. Eles simplesmente aterrissam no local, que não volta mais a ser o mesmo. Cada um senta numa mesa; os dois, como eu, de frente para o movimento da rua. Um, o vizinho mais próximo, pede um chope garotinho “sem colarinho” e o outro, na segunda mesa à minha direita, uma água de coco.

- Quando há uma queda de um lado, aumenta do outro, você sabe disso...

- Você não vale nada! (Pausa.) Viu o peitão?

- O teu gosto é completamente diferente do meu.

- Namorei mulher bonita, casei com mulher bonita e depois que enviuvei tudo continuou igual.

Este que falou agora é quem comanda o show. Ele, de camisa social e blazer azul, é, com todo o respeito, um velho feio, careca, e narigudo. Mas tira a maior onda. E é irritadiço. Não tive como não prestar atenção, uma vez que eles não demonstravam falsos pudores em comemorar a amizade xingando-se mutuamente em altos brados. O outro, todo de branco, faz “escada” para o velho sátiro arrematar a piada.

- Eu amo esse cara...! – diz o “escada” referindo-se com emoção ao amigo.

- Sai pra lá, bichona – corta o d. Juan. – Você tem é trauma de infância.

- Você hoje está inspirado!

- É que voltei às boas com o meu amor.

De certa forma, como acontece com a própria Choperia Vila Rica, até simpática, mas que apregoa mais do que apresenta (o nome “choperia” dá a ideia de uma especialização que não há), quem visse o tal senhor, no fundo um bom malandro, jamais associaria o seu discurso de sedutor irresistível à estampa – embora talvez ele consiga todas aquelas mulheres, nunca se sabe. Autoestima às vezes é tudo. Saúde e até a próxima.

Choperia Vila Rica – Rua Cândido Mendes, 16A, Glória (2221-2372)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009