sexta-feira, 14 de maio de 2010

Abençoai-nos, Buda sambista

DE BAR EM BAR - Picote

Eis um bar com um nome muito legal. Ainda que aparentemente nada tenha a ver com a atividade etílica (aos leitores que porventura vierem a me corrigir, por favor, sem agressões...). Mas isso, claro, não tem a menor importância. “Vamos ao Picote?” “Ontem dei uma passadinha rápida no Picote...” Pois bem, funcionando desde 1959 no coração do Flamengo, esse é o bar da semana.

Chego ao botequim naquele horário em que a estação do metrô, quase em frente, está fervilhando no lusco-fusco. Sento-me numa das mesinhas de alumínio na calçada. Peço o primeiro chope e fico feliz de constatar que veio na pressão ideal, sem ter sido necessária qualquer recomendação ao garçom. O que me faz crer que o letreiro “O melhor chope do bairro”, na pior das hipóteses, não é nenhuma heresia.

Com alguma fome, dou uma conferida no cardápio e, mais do que isso, reparo no movimento das bandejas. Escolho o campeão na preferência popular (pelo menos na ocasião): o bolinho de bacalhau. Estava tão gostoso que peço outro. Mas este segundo não vem tão bom, bem de acordo com a teoria dos petiscos que o escritor Dalton Trevisan expôs em seu livro Dinorá:

“– Já reparei, garçom: a segunda empadinha nunca é tão boa quanto a primeira.
– ...
– Hoje você me traga a segunda antes da primeira.”

Outros tira-gostos da casa: camarão empanado, quibe, bolinho de aipim, sardinha, polvo ou lula a vinagrete, pastéis, porções de provolone, filé mignon e lombinho. Tem também os pratos: milanesa com arroz e purê, polvo com arroz e brócolis, risotos de camarão, bacalhau ou frango, filé com arroz à grega e carré com arroz e fritas.

Olhando em volta, há uma mulher que faz palavras cruzadas como se não houvesse amanhã (fala sozinha, se irrita, comemora); perto dela, um senhor no celular se estressa tremendamente (“Eu não acredito em você, nem no seu advogado!” “Você não tem autoridade nem moral pra definir isso!”). Mas, felizmente, nem tudo são espinhos: a verdadeira boa figura do boteco, aquele que vale a pena descrever, estava numa mesa na parte interna.

Peço mais um chope, acompanhado de uma ótima sardinha frita, e o observo atentamente. Ele está de camiseta, bermuda, chinelos e vários colares no pescoço. Em geral, ninguém gosta de ser assemelhado com outra pessoa, é verdade, mas só para você entender, amigo leitor, ele é fisicamente um mix de Moacyr Luz e o compositor Paulo César Pinheiro. Com toda a serenidade de um Buda carioca, beberica seu chope e um drinque destilado.

Todos o cumprimentam. Mesmo os ambulantes param para tomar a benção. E ele apenas sorri. Até que se senta ao seu lado um senhor quase tão personagem quanto: cabelos longos, gravata vermelha, camisa social, calça e sapatos brancos. Pede uma caracu e duas empadas. Os dois ficam um tempão sem nenhum contato, mas o senhorzinho não se aguenta e puxa conversa. O Buda sambista, perfeito cavalheiro, retribui, mas parece aliviado quando volta a ficar sozinho. Sem dúvida, o cara é bacana – assim como esse bar de belo nome. Saúde e até a próxima.

Picote – Rua Marquês de Paraná, 128, Flamengo (2552-1799)

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