terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Quase tudo sobre minha mãe

DE BAR EM BAR – Real Chopp


Ela muitas vezes me pediu para ir comigo em uma das crônicas. Ao que eu sempre desconversei para evitar uma autêntica mamãezada. Mas eis que agora vai chegando o Natal, vou viajar e não a encontrarei mais esse ano, e eu, enfim, me rendo à mamãezada: chamo a própria para ir ao boteco. Aproveito e convido meus dois irmãos, Maurício e Marcelo, para aparecerem de surpresa no Real Chopp, em Copa, bairro onde nascemos e fomos criados. Pronto, o roteiro ideal para um vale de lágrimas.

O Real Chopp é um bar que vem sendo muito exaltado ultimamente. Confesso que ao passar pela Barata Ribeiro, de carro ou de ônibus, e vê-lo à esquerda, na esquina da Barata com a Paula Freitas, nunca dei muita bola, achava que era só um botequim normal, mais um, com suas cadeiras de plástico brancas na calçada e muita gente reunida nos dias de jogos de futebol. Eu estava redondamente enganado, amigo leitor. Não é. Os elogios à casa são mais do que merecidos.

Cheguei ao bar com minha mãe (nunca pensei que fosse escrever isso; é muito estranho) por volta das 16 h. Deu para escolher tranquilamente um bom lugar na calçada, na sombra, mais para o lado da Barata Ribeiro. O calor é intenso. Peço logo um chope. Minha mãe, ao contrário dos três filhos, não bebe, apenas em ocasiões solenes e mesmo assim só muito de vez em quando. Ela vai de guaraná. Pedimos também pastéis de camarão e siri. Os dois estavam ótimos, assim como o chope. A nota um pouco destoante foi o garçom, no início meio preguiçoso, meio antipático (chegou a apenas botar os pastéis na mesa e virar as costas, sem nem se dignar a explicar qual era qual). Mas levou logo uma chamada: “Amigo, vim aqui para consumir e ser feliz. Vamos fazer as coisas fluírem na boa?” Ficou tudo certo a partir de então.

Celina, empolgada com o encontro, não para de falar. Conta casos dos netos, fala dos problemas de família. Somos muito diferentes. Eu aprecio a arte do diálogo (e em alguns casos, até do monólogo) mas também dou muito valor ao silêncio. Eu e minha mãe já brigamos muito na vida. Temos os dois temperamento forte e formas de enxergar as coisas muitas vezes diametralmente opostas. Mas ainda assim, além do amor, tenho uma gratidão e uma admiração imensa por ela. Minha mãe é uma guerreira. Ficou viúva aos 27 anos (!) e com três filhos pequenos para criar. Detalhe: meu pai era 13 anos mais velho, mineiro e machista (como se costumava ser na época), e decidiu que ela, às vésperas de entrar na faculdade, se dedicaria apenas ao lar e aos filhos. Pois quando papai morreu (eu tinha apenas sete), ela teve que ir à luta: voltou a estudar, se formou, conseguiu arrumar um emprego, deu saúde e boa educação aos filhos, comprou até apartamento. Às vezes fico pensando se hoje em dia isto seria possível. Tivemos sorte, ainda bem, para contribuir com toda a determinação épica de Celina. Minha mãe é uma guerreira.

Pedimos em seguida uma porção de trilha à dorê. Veio absolutamente sensacional – sequinha, saborosa e farta. Outras opções do cardápio: polvo e bacalhau desfiados, bolinho de carne, casquinha de siri, pastel de lagosta, presunto de Parma, batata calabresa, sanduíches de pernil, salaminho e queijo Palmira, gurjão de frango, picanha na pedra, fritada de sardinha portuguesa, linguiça mineira e ovo de codorna. O bar começa a encher e, de repente, avisto meus dois irmãos atravessando a rua. Agora escurece e cai uma chuva fina (e o guardador de carros da região senta-se num toco de cimento da calçada e se refresca.)

Meu único receio ao promover a surpresa da reunião era ela ter um troço. Mas passamos com louvor dessa fase. Minha mãe, que foi uma mulher bem bonita quando nova, apesar de muito emotiva e uma certa hipocondria (da qual também não escapei), mantém-se firme e é hoje uma jovem senhora de 68 anos. Com a chegada dos irmãos, ela é instada a beber pelo menos um chope para brindarmos ao encontro. Os dois chegam com fome e, além dos mesmos pastéis iniciais, pedimos numa sequência uma porção de filé com fritas na chapa e depois de carne-seca com aipim. Realmente, Real Chopp, difícil dizer qual a melhor.

A essa altura, vários chopes consumidos (minha mãe ainda tomou um segundo, um chope escuro), entramos num assunto bastante delicado. Um dos meus irmãos enfrenta uma turbulência familiar (quem nunca viveu algo dessa natureza que atire a primeira pedra) e anda muito triste. Conversamos a respeito com a intenção de dar-lhe força e sugerir possíveis caminhos para resolver o impasse. Falamos de coisas difíceis de serem ditas com cuidado e a intimidade que só o amor permite. Afinal, é para isso também que a família serve. Foi um início de noite inesquecível, Real Chopp. Essa crônica é pra você, mãe. Saúde e até a próxima.

Real Chopp – Rua Barata Ribeiro 319, Copacabana (2547-6673)

7 comentários:

  1. Salve Mauro! Natal é pra isso mesmo... No mais já comi aí e fui muito feliz. Parabéns pela bela crônica.
    Abraço
    Cláudio Bedran

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  2. Valeu, Bedran. Apesar de ter boas informações sobre o bar, ainda assim foi uma bela surpresa. Grande abraço.

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  3. Emotivo na medida certa! Agora só falta conferir o Real Chopp. Abs!

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  4. Vai lá que tá valendo, Luciano. Foi um dos melhores que eu fui esse ano. Grande abraço.

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  5. Querido compadre,
    Uma bela e singela homenagem para a sua mãe.
    Parabéns pela medida, como bem disse o Cian
    Aquele abraço,

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  6. lindo! não deixe de mostrar a ela.

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  7. Valeu, compadre! A Celininha merece. abração

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