sexta-feira, 24 de julho de 2009

A nissei, a gordinha e a mulata

DE BAR EM BAR - Antigamente


Fui tarde dessas ao Centro com a intenção de ver a exposição de arte russa do início do século passado e depois mergulhar no bar. Mas como me atrasei bastante, a exposição, que é imperdível, teve de ficar para uma outra ocasião. Rumei então, com alguma culpa, para o bar Antigamente, ali na rua do Ouvidor. Mas só até o primeiro chope. (Até porque não existe a menor possibilidade de eu perder novamente a visita às obras revolucionárias dos grandes pintores russos). É a tal história: não vi, mas recomendo sem medo de errar, com total fervor dostoievskiano.

Entro no boteco pé-limpo e ele ainda está meio vazio. Lá fora, as mesinhas de madeira começam a ser dispostas no trecho de pedestres da rua centenária, à espera dos fregueses que ao sair do trabalho irão lotar o bar a céu aberto. Aliás, faz um belo início de noite. Na parte interna do bar, sento-me no canto à esquerda, na mesa perto da enorme TV. Como estou quase abaixo do aparelho, apenas ouço o excelente sambista Arlindo Cruz. Peço o primeiro chope e um pastel de costela (iguaria que parece ser a bola da vez na chamada baixa gastronomia. Ainda bem. Uma costela tenra é coisa de outro planeta). Veio ótimo o pastel, sequinho, com recheio farto e carne macia.

O Antigamente tem pratos como o bom filé de linguado com batatas, o polvo à provençal e a carne assada com talharim. Mas a grande saída são os petiscos: pastéis, frango à passarinho, tortillas, carne-seca com aipim, gurjão de badejo. Como tenho fome, peço mais um acepipe: meia porção de bolinhos de bacalhau. Tudo ok. Chamam-me a atenção dois cidadãos em mesas separadas. Um dos homens toma cerveja e lê calmamente o Diário Oficial. O outro, também bebendo cerveja, fala sobriamente ao celular. Naquele exato momento, o clima mudou. O bar repentinamente começou a encher. Os dois solitários à minha frente, assim como eu, fomos rapidamente levados a um mundo de alegria (fim do expediente!) e muitas risadas em volta.

Eis que entram três amigas e sentam-se próximo à minha mesa. Uma delas era uma nissei de óculos e sorriso tímido, outra uma morena gorda e, por fim, uma escultural mulata. Trabalham na mesma empresa, ou firma, sei lá. A japeta de óculos toma um mate, a gordinha uma cerveja sem álcool e a mulata uma caipivodca de limão. Riem muito, a malícia rola solta sem homem reprimindo. Mulheres sozinhas riem muito – e dizem tudo aquilo que talvez não gostássemos de ouvir.

- Mas se eu falar isso, ele vai se achar importante... – contorceu-se a gordinha.

- E se acontecer um milagre?! – interrompeu toda esperançosa a japinha.

- Que situação... – disse a mulata.

- Safada! Filha da mãe! – Não se aguentou a gordinha.

- Você falou isso? Você está namorando quem? – resumiu com sabedoria a mulata cavala.

E o Arlindão no DVD: “Madureira lá lá lá iá...” A mulata era nota dez. Senti vontade de escrever na toalha de mesa uma letra de samba. Título: Mulata cavala. Que me perdoe mestre Aurélio. Que me perdoe Machado. Drummond... Mas a moça era realmente uma mulata cavala. Saúde e até a próxima.

Antigamente – Rua do Ouvidor, 43, Centro (2507-5040)

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