segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Quatro vezes 'Santa' e um simples obrigado

DE BAR EM BAR – Santa Satisfação

Eu, um Santa Cecília, fui nos últimos dias a um bar na cidade em polvorosa, na Rua Santa Clara, em plena “Guerra Santa” (por mais absurda que seja a expressão). O nome do bar? Santa Satisfação. Não é exatamente, mas é um pouco, o que sentem os cariocas nesse momento em que, pela primeira vez em muitas décadas, o poder público decide enfrentar o poder paralelo do tráfico e ganhar a parada. Diria o Lula que nunca houve na história desse país um enfrentamento à marginalidade tão vencedor (mas é melhor deixar o futuro ex-presidente o mais fora dessa que der para que possa esvaziar as gavetas do Planalto e fazer as malas). O fato é que a população, cansada de tanto desmando da bandidagem, está batendo palmas e aguarda com apreensão os próximos capítulos dessa guerra com direito a show de cobertura ao vivo e comentarista na televisão. Vamos ver o que será feito na sequência, com os traficantes sem sua fonte de renda e, principalmente, o que será feito com a molecada dos morros ocupados, pois sem um trabalho social de educação e arte tudo isso não será mais do que um mero band-aid gigante.

Peço uma cerveja Original e desvio meu pensamento para o bar. Afinal, a vida tem que prosseguir com o cidadão reocupando o seu espaço e a alma da cidade de volta. Duas e meia da tarde e muita gente ainda está almoçando nesse simpático bistrôzinho. Como é típico de Copacabana, especialmente num trecho tão perto da praia, algumas mesas estão ocupadas por turistas. Por falar nisso, vim bater aqui por recomendação do cantor e compositor Zeca Baleiro, um maranhense radicado em São Paulo. Uma quase-vergonha para mim, ainda mais em se tratando de um bar tão perto de minha casa. Mas felizmente nunca é tarde para o conhecimento, inclusive o de botequins e que tais.

O Santa Satisfação (um belo nome), com suas paredes metade verdes e vermelhas e metade em pátina branca, poderia ser catalogado tanto na categoria bar pé-limpo, assim como em um charmoso Café para um lanche ou restaurante para refeições leves. Ou seja, um autêntico bistrô de elegante alma feminina. Possui, no salão interno, mesas e cadeiras brancas com estofados coloridos (e sofás encostados nas paredes); e mesinhas, também de madeira porém menos confortáveis, ao ar livre na calçada. Escolho esta última localização, pois Copacabana com seus excessos, apesar de tudo, continua uma festa para os olhos. E é o que acontece quando passa na rua a amiga e escritora Ana Paula Maia, que gentilmente me dá de presente uma coletânea de contos de que participou, Todas as guerras. Nada mais atual. A propósito, Ana Paula escreveu sobre a guerra do Vietnã.

Peço uma outra cerveja, agora uma Bohemia long neck (já que a Original 600 ml não tem mais). Bate uma fome e vou consultar o cardápio. Aqui se pode degustar porções de rosbife e peito de frango, carpaccios de carne ou salmão, escondidinho de carne-seca, empadas, pastéis de forno e omeletes de camarão com queijo, salmão ou presunto. Entre os pratos, massas como penne rústico, fusilli ao pesto, farfalle de Roma, espaguete mediterrâneo e saladas variadas como Ceasar salad, caprese e primaveras carioca e francesa. Para beber, cervejas Devassa, Skol, Stella Artois (além das já citadas), vinhos, uísques, vodcas e caipirinhas.

Vejo numa mesa ao lado uma porção que não identifico no cardápio e pergunto à garçonete o que é. Trata-se do couvert da casa, que vem com batatas calabresas, torradas e duas pastinhas, uma de tomate seco e outra de gorgonzola. Peço um couvert igual e seus ingredientes caem à perfeição para acompanhar a cerveja. A esta altura o bar já deu uma esvaziada e posso trocar de mesa pois o ar-condicionado posicionado para fora do estabelecimento me incomoda, vindo diretamente em minha testa. Chego a mudar de mesa duas vezes, mas o ar canalizado parece me perseguir de forma tinhosa e cômica, até que decido ir para o salão interno e comer algo mais substancial. Algo como um espaguete Alfredo (com escalopes de frango e lascas de cogumelo ao molho branco com vinho e pimenta calabresa).

Mas antes, ao me levantar para uma das trocas, percebo que alguém numa mesa ao redor deixou cair uma caneta e vou apanhá-la. Ao devolver ao dono, este estica a mão para recebê-la sem se dignar a agradecer, nem ao menos a esboçar um sorriso falso. Aquilo me causa tanta irritação que encaro o sujeito e ao lhe passar o diabo da caneta não resisto e digo: “Obrigado, né.” O cidadão me olha como se eu tivesse pronunciado algum absurdo e vira o rosto. Por essas e outras, constato o óbvio: a alma nobre e grande da cidade não está precisando voltar só aos violentos morros cariocas. Está fazendo falta também no asfalto, onde (apenas) teoricamente estariam as pessoas mais civilizadas. Ah, sim: o espaguete Alfredo veio ótimo. Saúde e até a próxima.

Santa Satisfação – Rua Santa Clara 36-C, Copacabana (2255-9349)

3 comentários:

  1. Mandou muito bem!!!
    Eu também não deixo passar mais esse tipo de pessoa, que acha que está acima das outras. Mando, também, o "obrigado, né?" ou também o "de nada" acompanhado com um olhar de decepção nos seres humanos.
    Aquele abraço
    R.

    ResponderExcluir
  2. Deu vontade de jogar a caneta de volta no chão...

    ResponderExcluir