quinta-feira, 7 de julho de 2011

O amigo de kerouac

(A SOMBRA DO FAQUIR 19)


                            


         A quem tanto poderia interessar os dramas e as peculiaridades neurastênicas de um sujeito meio perdedor meio ganhador, não exatamente bonito, mas sempre cercado narcisicamente das mais belas mulheres, por quase 50 filmes? Se for Woody Allen o personagem/autor em questão, a muita gente mesmo. Pouquíssimos cineastas podem hoje se dar ao luxo de ter um trabalho estritamente autoral e se manter ao mesmo tempo no mainstream. Como o primeiro Woody Allen a gente nunca mais esquece, o meu foi “A última noite de Boris Grushenko”. Desde então virei fã de toda sua atividade artística (menos tocar jazz).

         Woody Allen faz parte daquele seleto naipe de artistas que se repetem a cada trabalho e ficam melhores. (Há quem diga, por exemplo, que o grande escritor reescreve sempre o mesmo livro). Claro que há os que não gostam, ou até os que acham que é um cineasta menor, como declarou Caetano em entrevista (apesar da ressalva de que seria um cara legal, com frases brilhantes e algumas cenas espetaculares). Se o critério para esta consideração for o caráter inovador da obra do artista, talvez sim; mas o fato é que poucos trataram exaustivamente de suas obsessões com sucesso de crítica e público na segunda metade do século vinte como Woody Allen, em âmbito planetário, e, no quintal tupiniquim, como Nelson Rodrigues, que brilhou sempre mais alto. (Embora, entre nós, o trabalho de Woody Allen talvez possa, sob certos aspectos, ser mais identificado com o do também grande cineasta e dramaturgo Domingos de Oliveira).

         Meu amigo Maurício Barros me telefonou para recomendar que não perdesse o novo filme. Outro grande amigo, Ricardo Coelho, de Natal, depois de ler pela internet matérias elogiosas disse que se demorasse muito a chegar por lá iria gastar algumas milhas vindo ao Rio. O Dapieve revelou que gostou tanto que não conseguiu (ainda) escrever a respeito. Várias outras pessoas comentaram que o filme é incrível. Pois fui ver “Meia-noite em Paris” com esta alta expectativa – o que gera o pendor a se ter um nível de exigência tão elevado que costuma desaguar em decepção. Mas ainda bem que não foi o caso. Quando a expectativa lá em cima é plenamente satisfeita, ou até superada, o prazer é transcendente. Achei que é um dos melhores e mais marcantes filmes de Allen.

         Muito se tem especulado sobre um dos dois grandes temas do filme, que vem a ser aquele que decorre da sensação de se estar vivendo na época errada. Ou, talvez, do desejo demasiado humano de se viver numa época diferente da que se está. Mas o outro grande tema é o que mais me mobiliza: o poder e o fascínio da arte e a entrega que é necessária para exercê-la. Para dar o salto mortal sem rede embaixo muitas vezes é preciso fazer sacrifícios existenciais (e financeiros) imensos. É um dilema que todo artista em algum momento precisa passar. Quanto ao período em que eu gostaria de viver, diria que tenho bem mais curiosidade pelo futuro do que pelo passado. Mas, para não ficar alheio à enquete que se tem feito por aí, não seria nada mal ser amigo de Jack Kerouac e viver tomando todas com os beatniks on the road.

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