DE BAR EM BAR – Adega Portugália
Numa terça-feira de sol preguiçoso (uma tarde à feição de um bom boteco), fui à Adega Portugália, naquele trecho panorâmico do Largo do Machado em que dá para observar a vida pulsando na praça, com seus velhinhos de estimação, crianças com suas babás, pivetes, passantes, mulheres de todos os naipes, o mundo em geral. Chego um pouco antes de meu personagem, o empresário, produtor cultural e grande agitador do Facebook, o surpreendente Jeronymo Machado, o Jê.
Sento-me numa das mesinhas de madeira colocadas na parte de fora. Por enquanto, apenas duas ou três estão ocupadas. Na parte interna há um grande balcão com seus acepipes expostos e, ainda, um comprido salão interno com a tevê ligada para ninguém num jogo da Liga dos Campeões (na calçada há uma outra, na minha diagonal). A Adega Portugália, além do ar lusitano (como o nome entrega), respira um quê de cidade pequena onde todos sabem quem é quem.
Peço o primeiro chope quando Jeronymo aparece. Bem vestido, elegante, percebo de cara que está à vontade e curtiu o convite para o papo numa mesa de bar. Conheço-o há algum tempo, sempre o encontro em shows e eventos culturais, porém antes só tínhamos, de fato, conversado mais detidamente uma única vez. O que não é nenhum problema: temos em comum diversos amigos, a música e o trepidante Botafogo. E o Jê tem história pra contar.
Como acompanhamento, pedimos alguns bolinhos de bacalhau e pastéis de camarão. Ambos vieram bons, mas nada de excepcional. O assunto futebol é inevitável e logo fico sabendo que ele foi jogador e quase seguiu carreira. Quando era juvenil e jogava pelo Fluminense, recebeu uma proposta de ir para o Flamengo do Piauí. O pai vetou. Como era reserva no tricolor, acabou largando para se dedicar ao curso de Economia. Mas até hoje bate suas peladas no Caxinguelê, com artistas como Evandro Mesquita e ex-jogadores como Pintinho, Nei Conceição e Donizete (o Pantera). Realmente não é para qualquer um.
No calor da conversa, o chope desce igual água. Penso em pedir mais alguma coisa e o Jê sugere repetirmos os pastéis. Tudo bem, vamos lá. Mas a casa tem também no cardápio as opções: mexilhões, polvo e jiló à vinagrete, sardinhas portuguesas, carne seca acebolada, frango à passarinho, presunto tender e batata calabresa. Entre os pratos, bife de fígado com arroz e fritas, dobradinha, costela no bafo, cabrito à moda da casa, sopa de frutos do mar, risoto de bacalhau e bacalhau à Zé do Pipo. Para beber, fora o chope, uma razoável carta de vinhos, algumas boas cachaças e a tradicional caneca de vinho gaúcho.
Depois de trabalhar por um tempo no mercado financeiro (administrando, inclusive, uma carteira de amigos músicos) e ganhar uma boa grana, Jê migrou para a área da cultura e foi trabalhar na produção dos Paralamas no final dos anos 1980. Não parou mais. Trabalhou com artistas como Titãs, O Rappa, Adriana Calcanhotto, Sandra de Sá, Claudinho e Buchecha, Paulinho Moska e Nando Reis. Desde 2002 tem sua própria produtora e assim segue em frente. Múltiplo, seu telefone toca várias vezes e ele vai resolvendo as coisas enquanto pedimos uma salada de bacalhau com feijão fradinho. Gostei, mas também não me surpreendeu. De todo jeito, a Adega é um lugar que vale pelo conjunto da obra.
O que me surpreendeu mesmo (e fiz questão de lhe dizer) foi ter tido contato recentemente com alguns textos que de vez em quando Jê salpica no Facebook. Enxutos, inteligentes, bem sacados. Enquanto tomávamos a saideira, soltei: “Jê, tu é poeta. Tem que publicar!” Jeronymo Machado sorriu, quase tão orgulhoso como quando ele fala de suas filhas, as também botafoguenses Bárbara e Joana. E saiu leve para um outro compromisso, ó pá. Um empresário poeta: nem tudo está perdido. Saúde e até a próxima.
Adega Portugália – Largo do Machado 30, Catete (2558-2821)
terça-feira, 26 de outubro de 2010
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