terça-feira, 19 de outubro de 2010

A tropa da burguesia fede

A SOMBRA DO FAQUIR – 5


Esse não é um texto barbudo marxista, nem é sobre as surradas e onipresentes eleições presidenciais. Não prego a luta de classes, nem a implosão do Country Club (só talvez a da estátua em frente a um shopping da Barra da Tijuca). Mas assim como cantou Cazuza quando já estava bastante doente, no último disco que gravou (“Burguesia”, 1988), considerado menor por alguns críticos, muitas vezes também acho que: “A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica / Enquanto houver burguesia / Não vai haver poesia.” Se esta canção (taxada de juvenil por seus detratores) não está entre as mais exaltadas da obra única (apesar de curta) do poeta, não deixa de ser um bom rock básico, sem firulas, seco, oportuno. Refrescante.

Fui estes dias ver o filme Tropa de elite 2, no cinema Leblon. Como veio precedido de enorme badalação, boa parte em função do sucesso e da polêmica alcançados pelo primeiro, o tumulto já era grande nas proximidades da calçada da esquina da Carlos Góis com Ataulfo de Paiva. Mas, assim como eu, a maioria do público já tinha comprado seus ingressos pela internet. (O bairro do Jobi e do Bracarense, como se sabe, é o bairro de alguns dos cidadãos mais ricos e elegantes e sofisticados e que não gostam de enfrentar fila da cidade.) E as duas salas do Leblon constituem um dos poucos cinemas de rua que ainda temos, remanescente de uma época em que, além dele e do Roxy, tínhamos um bom punhado de cinemas grandes, nostalgicamente majestosos e verdadeiramente insubstituíveis, apesar de considerados arcaicos a partir do império das salas de shopping.

O filme em si é de tirar o fôlego – muito mais do que o primeiro Tropa de elite. Embora muita gente tenha visto este apenas como uma peça de propaganda da violência e da guerra civil carioca, com teses preconceituosas e “de direita”, e possivelmente enxergarão os mesmos atributos negativos nesta continuação, considero que temos dois filmes que vão marcar época pelas suas qualidades artísticas. É impossível assistir a esta continuação da história sem ficar inteiramente magnetizado pelo que rola na tela. O ritmo da narrativa é alucinante. O desempenho de Vagner Moura é excepcional. A direção e o roteiro são de primeiro mundo (para utilizar uma expressão que é cara à burguesia). Em minha opinião, as teses levantadas, ainda que cutuquem a ferida aberta em todos nós que vivemos no Rio de Janeiro, no asfalto ou no morro, e sejam importantíssimas de ser discutidas (em especial a tese que detecta a união da milícia aos políticos), não são o único trunfo do filme. O filme é cinema de gente grande, ponto. Expressivo e muito bem realizado – chegou a merecer palmas dos espectadores ao final da sessão.

Mas o meu assunto é quando acabou o filme e as luzes foram acesas. Quando toda aquela gente elegante e sofisticada se levantou para ir embora, o que se viu no chão acarpetado foi uma imundice que poucas vezes vi na vida. Duvido que um cinema de subúrbio ou de cidade pequena, ou até mesmo um salão de festa infantil, fique em estado pior. Era pipoca esparramada por tudo que é lado, almofadas e sacos e copos plásticos abandonados de qualquer jeito. Repito: não era uma e outra pipoca que normalmente caem do saco no escurinho do cinema. Era um chiqueiro furioso. Como pessoas esclarecidas, que acabaram de ver (e aplaudir) um filme de forte cunho político e social, podem se comportar desse jeito no espaço público?

Talvez o conceito de burguês hoje em dia não seja mais tão apropriado. Na sociedade virtual da crescente mulambalização (termo eternizado pelo fotógrafo e DJ Maurício Valladares), talvez seja melhor se referir ao individualismo cego até dos mais esclarecidos e daqueles que tiveram oportunidades. “Porcos num chiqueiro / São mais dignos que um burguês / Mas também existe o bom burguês / Que vive do seu trabalho honestamente / Mas este quer construir um país / E não abandoná-lo com uma pasta de dólares.” Falou e disse, Cazuza. Tomara.

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