quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O poeta pornográfico

A SOMBRA DO FAQUIR - 6


Certo dia toca o telefone e recebo o pedido para dar uma espécie de consultoria a um psiquiatra. Ele queria publicar um livro de poesia. Conta-me, o próprio, que tem vários livros publicados em sua área, mas no gênero onde queria se aventurar agora não conhecia os caminhos, nem ninguém. Esclarece que são poemas eróticos escritos no formato tradicional de sonetos. E que gostaria de publicar sob pseudônimo. Sem saber como começar, pergunto-lhe como chegou a mim. (Penso logo na internet, site, blog...). Ele diz que viu uma matéria num jornal sobre uma oficina que ministrei há algum tempo e correu atrás do telefone. Peço que me mande os poemas por e-mail para que pudesse ter uma opinião sobre o trabalho. Ele retruca que não possui computador e onde mora não existe internet, se poderia mandá-lo manuscrito pelo correio. Revela que trabalha no interior e tem também um consultório no Rio onde dá expediente uma ou duas vezes por mês. Por coincidência fica perto de onde moro, no Bairro Peixoto. A situação, apesar da enorme chance de roubada, era tão estranha que ficou interessante.

Tive uma grande surpresa ao ler os poemas.

O meu receio de um perigoso tarado sexual mostrou-se infundado. É realmente um cara sério, de verdade, casado (bem casado), com duas filhas. Filho de uma família abastada do interior fluminense que tinha uma indústria alimentícia, recebeu uma boa educação, vive bem, mas não acumulou patrimônio. Gosta de um bom vinho. Admirador de Baudelaire.

É dele o seguinte tributo: “Meu caro irmão Baudelaire, / em quem em vão eu me inspiro, / o que o teu Poema quer / é tudo o que eu admiro. / És autor do que eu prefiro / sobre o homem e a mulher. / (As palavras que eu profiro / são frouxas, para quem quiser...) / Tudo aquilo que a tua verve / dá sob o nome de flores / é também o que em mim ferve, / mesmo sendo eu tão banal / – pois sinto minhas tuas dores, / é meu também o teu mal...”

A referência ao poeta das flores do mal não se esgota aí: o livro se chama As florzinhas do bem – Sonetos de bandalha, blasfêmia e escracho. Está sendo publicado agora pela editora Íbis Libris. Há poemas sobre o prazer solitário (“Confissões do punheteiro”), a iniciação (“O menino e a puta”), a performance (“Conselhos para bem foder”), excrementos (“Homo cagandis” e “O mijão”). Não resisto, aliás, a reproduzir um trecho deste último: “Minha rica piroquinha / reduziu-se a um bom mijão. / Toda a potência que tinha / esvai-se em mijo no chão... / Quem se tinha por machão / e a quem mijar não convinha / precisa agora da mão / pra sacudir a gotinha...”

E há, evidentemente, o sexo com fartura. Sexo na veia. Sexo pelos poros: “Toda mulher que é pudica / – tão cheia de pudicícia! – / quando prova boa pica / sempre acha uma delícia! / Quão mais severa a moral / mais se ressente de um pau, / mais falta tem de um caralho! / Pois após tê-lo engolido / e entre as pernas sentido / a força de sua broca / logo esquece a timidez: / quer mais e mais, e outra vez, / o vai-e-vem da piroca!”.

Encantei-me com vários dos poemas que, apesar do tema controvertido, não têm nada de chulo. Muito pelo contrário, são inteligentes, simples (e não simplórios), bem-humorados, feitos por alguém que certamente leu bastante e escreve com regularidade. Incentivei-o a publicar com seu próprio nome. Mas ele, mesmo tentado, achou que não cairia bem um poeta pornográfico para a sua clientela um tanto conservadora de cidades do interior. Adotou o pseudônimo Gil Tramontana e uma das dedicatórias do livro é para Carlos Zéfiro, cujos desenhos eróticos foram como que a Playboy de toda uma geração.

Por detrás da respeitável estampa de experiente psiquiatra, magro, elegante, de barba, cabelos prateados e nada escassos para seus 62 anos, vive um jovial safado dos olhinhos infantis, um fauno incorrigível. Grande figura o novato Gil Tramontana, um cara que merece ser lido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário